A intoxicação linguística

17/03/2011 15:09

    Para quem não acredita em (ou ao menos desconfia da existência de) Papai Noel, duende, coelhinho da Páscoa, sugerimos a leitura atenta do texto abaixo.

        Antes que os alunos perguntem, já respondemos: o texto foi escrito na ortografia da Língua Portuguesa de Portugal, que apesar de ligeiramente diferente, em nada impede sua compreensão.

    Recomendamos aos leitores que busquem os significados das palavras que lhe são desconhecidas num dicionário, já que quanto mais vocábulos vir a conhecer, melhor. Além disso, se gostarem de algum dos autores citados pelo autor no texto, que busquem ler o que esses outros escrevem, uma vez que esta é uma das maneiras mais eficazes de se estudar.

    Por fim, se o leitor sentir preguiça de ler em tela, poderá abaixar o texto completo aqui e imprimi-lo:

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A intoxicação linguística

– Traços do discurso capitalista

Fonte: https://resistir.info/ .

 

*por Vicente Romano

 

1. A Economia dos Sinais
2. A Simplificação
3. Traços do discurso jornalístico actual
4. O pensamento mágico
5. O modo indicativo e imperativo
6. A perda do diálogo e do discurso
7. Aspectos epistemológicos
8. Perspectivas


1. A Economia dos Sinais

A expansão da indústria da comunicação tem por objectivo alcançar da forma mais rápida possível, através dos mais amplos espaços possível, o maior número de pessoas possível. Os gastos técnicos da mensagem individual reduzem-se na proporção em que o maior número de receptores possível se encontre conectado à rede. O telespectador crê que escolhe, quando prime um botão do televisor ou quando compra um jornal. Mas o que está, de facto, a escolher é a sua ligação a um sistema heterodeterminado.

Este é o princípio da economia de sinais, princípio presente em todo o percurso de desenvolvimento dos meios de comunicação desde os primórdios da cultura até hoje. Deve ter-se isto em conta no momento de analisar o desenvolvimento tecnológico. A técnica dos meios de comunicação segue este princípio sem instrumentação artificial, i.e., na comunicação primária ou de contacto humano elementar, como o segue com instrumentação no iniciador da comunicação, os denominados meios secundários, como continua a segui-lo com equipamentos de emissão e recepção, ou seja, na comunicação de meios terciários. Assim, os satélites de TV só têm sentido se houver gente suficiente que compre os aparelhos necessários à recepção da mensagem difundida por satélite. Daí que se torne necessário fazer propaganda para que milhares de milhões de potenciais receptores comprem os aparelhos que permitirão realizar os ganhos de investimento dos promotores e exploradores dos satélites. Este é o fundo de toda a argumentação encomiástica que se faz hoje em dia ao futuro dos meios de comunicação: criar um público que lhes traga tempo e dinheiro e pô-lo à disposição dos proprietários das novas tecnologias. As contas da economia de sinais só saem bem se um grande número de consumidores reduz o custo de exploração do meio por mensagem individual.

A economia dos sinais aplica-se quando uma só mensagem se distribui para muitos. Quando alguém quer dirigir-se a outras pessoas, costuma reuni-las à sua volta. Quer dizer, faz com que outras pessoas entreguem o seu preciso e irrecuperável biotempo subjectivo de forma a que quem as reúne não tenha de andar atrás de cada uma delas, o que custaria muito biotempo ao comunicador. Ao fazer com que outros venham até ele, poupa gastos de transmissão da mensagem.

A redução dos gastos de sinais é a origem de todas as reuniões, desde os almoços de família e pequenos grupos, até à Assembleia Popular ou às Cortes. Mas esta poupança só se realiza quando os outros acorrem. Toda a gente sabe que quando se dissolve a mesa familiar, quando os filhos faltam, ou o pai ou a mãe, é a instituição familiar que se desfaz. O mesmo acontece quando a secção local de um partido já não consegue organizar nenhuma reunião, porque os seus membros ficam em casa. Quem perdeu o poder de convocatória carece de poder, pois o começo do poder de um homem sobre outro reside em que um disponha do biotempo do outro. Quem comparece reconhece um motivo, esteja ou não de acordo com o que se comunica, simplesmente em virtude do tempo que entrega.

Ao reflectir sobre os meios de comunicação do presente e do futuro, cada um deve ter claro quanto do seu precioso biotempo quer dedicar a tais meios ou, melhor dito, aos seus proprietários e até que ponto está disposto a hipotecar-se-lhes, a pagar-lhes, uma vez que eles exercem sobre ele o seu poder.

A economia de sinais é uma questão de poder. O poder de uns seres humanos sobre outros começa com a apreensão do biotempo subjectivo de outros para as mensagens do comunicador. Assim, o lactente tem poder sobre a sua mãe, os professores sobre os seus alunos, o conferencista sobre o auditório, o escritor e editor sobre os seus leitores, o chorrilho permanente da tele e radiodifusão sobre a vida sentimental do país, o Estado sobre os seus cidadãos ao obrigá-los a preencher impressos, a economia sobre os consumidores através dos reclames publicitários e assim sucessivamente. Não é suficiente uma busca da doutrinação mediante textos concretos. Ela subjaz, desde logo, na distracção, na exclusão de outras comunicações que não podem ser recebidas ao mesmo tempo em que ela se faz receber. A percepção selecciona, mas não pode seleccionar entre aquilo que não lhe chega. Esta condição converte a distracção numa importante táctica de informação no conjunto da capacidade repressora dos grandes poderes sociais.

A economia de sinais e a coacção dos prazos regulam a programação da imprensa e da teledifusão e radiodifusão com o controlo das tiragens e das quotas de audiência.


2. A Simplificação

Hoje em dia, a maior parte da comunicação é realizada através dos chamados meios de massas que, tal como o termo 'comunicação de massas', não deixa de ser um eufemismo. Como é sabido, nem as massas comunicam entre si através destes meios, nem eles são das massas, mas sim de uns poucos que produzem massivamente para as massas.

Em suma, estes poucos detêm o poder de definir a realidade para os demais, de dizer-lhes o que se passa, o que é bom e o que é mau, o que há a fazer e a não fazer, como fazê-lo, etc. Este poder de fixar o programa social de qualquer comunidade é a chave de controlo social. Lorde Nordcliffe, dono de um dos maiores consórcios jornalísticos de princípios do século XX explicava-o assim, sem papas na língua: "Deus ensinou os homens a ler para que eu possa dizer-lhes quem devem amar, quem devem odiar e o que devem pensar".

E o que nos contam é quase sempre a história dos outros, não a nossa. Ora, se estamos ocupados a viver a história dos outros, não temos tempo para nos preocuparmos com a nossa própria. Pois que se dela nos ocupássemos e descobríssemos como são outros que a determinam, não ficaríamos de braços cruzados, tentaríamos mudá-la para melhor.

Produção massiva significa produção em série, indiferenciada, simplificação e estereotipada. Como na produção comunicativa o que está em causa são produtos do pensamento, conteúdos de consciência, essa serialização e indiferenciação têm necessariamente a ver com produção de pensamento indiferenciado, acrítico, mágico.

Na comunicação, o engano não se dá apenas no quadro dos meios primários, senão que, pelo contrário, ele ocorre sobretudo no âmbito dos meios terciários, quando os participantes necessitam, tanto um quanto outro, de aparelhos para comunicar. A técnica da comunicação, acelerada através das grandes distâncias para grandes quantidades de receptores dispersos, conduz à simplificação dos signos em imagens e abreviaturas linguísticas. Deste modo, reduzem as possibilidades da sua própria decifração, ao mesmo tempo que sobrecarregam a percepção com novas abreviaturas e excedem a capacidade da memória.

A maioria das pessoas adquire a sua consciência através do trabalho. Todo o socialismo se baseia na hipótese de que há que consciencializar os seres humanos. Após esta ilustração, serão eles a tomar o seu destino nas mãos, a emancipar-se do poder dominante da economia e dos proprietários dos meios de produção. Uma tal consciencialização não pode dar-se na Era da expansão global dos grandes meios técnicos de comunicação, uma vez que estes não fomentam o trabalho consciente mas, antes, o reduzem. Fazem-no de muitas maneiras. Primeiro, criando tensão. Trata-se de um processo de distracção. Segundo, simplificando a realidade através da oferta dos mesmos padrões de comportamento que são sempre binários: bom e mau, acima e abaixo, falso e verdadeiro, etc. Estas pautas de comportamento realizam-se na figura estética do televisor.

Neste processo é também a imaginação que se simplifica. Às pessoas é servido sempre o mesmo, sob formas cada vez mais elementares, primitivas, uma vez que, de acordo com a economia de sinais, os proprietários têm de fazer investimentos cada vez maiores e, por consequência, têm de chegar a números cada vez maiores de receptores, para rentabilizar esses investimentos. Só se pode chegar a audiências cada vez maiores excluindo a diferenciação e reconduzindo permanentemente ao que todos entendem: coito, violência, saída — entrada, subida — descida, isto é, modelos muito rudimentares. Com estes pares binários atinge-se um forte efeito dramatológico, ainda que à custa de grandes perdas em sentido de realidade e possibilidade de conhecimento, pois quem selecciona abstrai e, claro, tem de deixar mais e mais coisas de fora. Em consequência, é de esperar uma longa época de idiotização mediante uma Humanidade mediaticamente enquadrada.

Na imprensa, o que conta é a apresentação visual dos conteúdos, que são estruturados de forma a predeterminarem as modalidades perceptivas, bem como aquilo que pode conhecer-se e interpretar-se.

E é de esperar que assim continue, enquanto persista a relação directa entre a apresentação como captação visual e as bases comerciais do meio impresso. Quanto maior a tiragem, tanto mais atractiva a apresentação e tanto mais curtos os enunciados. A redução deve-se, em todos os meios, à economia de sinais.

Na radiodifusão como na imprensa, portanto, a linguagem é submetida à lei da economia de sinais, isto é, ganhar tempo e poupar espaço para chegar ao maior número de consumidores com o menor gasto possível para o produtor. Assim, o ganho de tempo é a suprema máxima da sua práxis.

No respeitante à imprensa e à tele e radiodifusão deve, porém, distinguir-se entre ganho de tempo para o produtor da comunicação e ganho de tempo para o seu consumidor. Pelo prisma da autode-terminação, o ganho de tempo do primeiro não corresponde, necessariamente, a um ganho de tempo do segundo, pois este entrega algum do seu biotempo na suposição de que tal entrega valha a pena para si. Ora essa entrega pode muito bem traduzir-se em 'tempo perdido', isto é, em tempo que não compensou os seus défices cognitivos e emocionais. Simplesmente, o tempo gasto não volta.

E o produtor tem a obrigação de reunir todos os consumidores possíveis para a sua comunicação, a fim de poder amortizar com a máxima recepção o gasto técnico que investiu.

Os receptores, por seu lado, querem entreter-se, participar, estar em comunicação, uma vez que são seres humanos e não podem, nem querem, viver isolados. Mas quando primem o botão da rádio ou da televisão, ou pegam num jornal, têm de aceitar a apresentação linguística e icónica de redução de cada um desses meios e abandonar o seu dispositivo cognitivo nas mãos de comunicações heterodeterminadas, sem poder contradizê-las, ao contrário do que sucede na comunicação primária.


3. Traços do discurso jornalístico actual

O jornalismo, a comunicação pública, traduz os sucessos e acontecimentos em sistemas de signos específicos dos meios de comunicação. O conceito de "media" é um bom exemplo de troca linguística. Hoje em dia, utiliza-se como abreviatura de meios de comunicação e, nos últimos anos, converteu-se em termo comum na designação da imprensa e tele e radiodifusão, em expressões como "educação para os media", "crítica dos media", "política dos media", etc. No auge, porém, dos interesses parapsicológicos das décadas de 1920 e 30, "médium" era uma designação habitual para a pessoa que intermediava e transmitia fenómenos ocultos. E é até possível que este lastro de sentido ainda se estenda à discussão contemporânea dos "media" quando, por exemplo, os políticos repreendem os "media" pela transmissão de fenómenos das suas restritas esferas de poder que eles próprios não quereriam ver ou, pelo menos, não quereriam vê-los difundidos.

Aquilo a que costuma chamar-se linguagem mediática corresponde ao uso que fazem da linguagem aqueles que, normalmente anónimos, operam a manobra dos meios de comunicação.

Observa-se, na actualidade, como os meios 'públicos' adaptam a sua linguagem à dos 'privados', imediatizando os prazos das suas emissões cognitivas em benefício das compensações emocionais. A divisa reza: 'small talk', isto é, 'conversa fiada', falar de trivialidades.

A imprensa, a rádio e a televisão baseiam-se na repetição. A melhor ilustração desta circunstância é o ritual da televisão, uma vez que requer a visão e a audição, forçando os espectadores à postura sentada, enquanto a rádio e a imprensa lhe permitem liberdade de movimentos. Esta porque pode suspender-se e retomar-se noutro momento, a rádio porque a recepção da sua mensagem depende apenas do ouvido. Do ponto de vista da transmissão, a rádio é o meio mais rápido. As suas mensagens podem difundir-se praticamente a qualquer momento e, com a ajuda da telefonia, em praticamente todos os lugares.

Também aqui, porém, o império dos prazos e da imediaticidade existe, elaborado a partir do ritual horário e de calendário que o interpreta, à semelhança do que sucede com os outros meios. E, onde há interpretação há clero, quer seja religioso quer profano. É ele quem decide o que pode ouvir-se, ler-se ou ver-se a que dias e a que horas. Actualmente, pode observar-se como a televisão estatal se molda e inclusivamente antecipa a concorrência comercial da televisão privada, desbragando a linguagem e reduzindo os programas de conteúdo cognitivo em favor das compensações emocionais ou, pelo menos, atirando-os para horas de escassa audiência.

A minuciosa coacção dos prazos educa para a fugacidade da percepção. A brecha entre o electronicamente perceptível e o que fica registado em papel aumenta dia a dia. É preciso questionar se aquilo que os olhos vêem é fiável, pois desde Aristóteles que se acredita que ver é saber. A redução sucessiva da linguagem transformada num mero código de sinais ominosos, aumenta, claro está, a velocidade da transmissão. Mas a comunicação à velocidade de relâmpago de insinuações binárias, de símbolos positivos e negativos, não passa de um código que nada tem já a ver com a pugna pela expressão humana através da linguagem.

Os meios visuais regem-se, na cultura actual, pelas condições básicas demarcadas pelo rectângulo. O que se coloca dentro e fora, acima e abaixo, à direita e à esquerda decide o juízo de valor dos jornalistas. Entender a linguagem da imprensa e da televisão significa compreender os prazos rituais da programação e da sua colocação enquanto expressão intencional, desejada.

A economia de sinais e a coacção dos prazos regulam a programação da imprensa e da tele e radiodifusão. Não se deve esperar dos meios de comunicação jornalística a expressão perfeita. Mas isso não significa que tenha de aceitar-se todo o tipo de sucedâneos de conceitos depurados como pasto espiritual do povo. Se a crítica consciente de muitos pequenos grupos de acção não toma a palavra face às grandes burocracias comunicacionais e lhes contradiz a linguagem, o regresso a uma simbologia colectiva dirigida por poderes anónimos e sem mandato, bem como a idiotização colectiva tornar-se-ão inevitáveis.

A pressão dos prazos conduz à redução, ao estereótipo, à economia de sinais, à produção de «miniaturas simbólicas temporalmente consumíveis» (Pross). As novas técnicas, ou pelo menos o uso que delas se faz, reforçam e aumentam os estereótipos.

Engana-se quem supõe que percebe melhor o mundo mediante este jornalismo de grandes títulos. Nenhum meio de comunicação pode anular a reflexão, mas pode, sim, deslocá-la e confundi-la através da emocionalização.

No actual estádio dos novos meios de comunicação, a tele e radiodifusão encarregar-se-á de que ninguém consiga atingir já os níveis de concentração requeridos para compreender uma sucessão de frases. Os receptores, como se disse, são educados na fugacidade da percepção. Com a maior diversidade das ofertas audiovisuais, aquilo que se incrementa é a comunicação reducionista à custa do discurso linguístico.

Os efeitos psicofísicos de longo prazo continuam por investigar. Mas, o que parece saber-se, no actual estado do conhecimento, é que, por exemplo, os políticos terão de adaptar-se cada vez mais, nas suas disputas eleitorais, às imagens validadas pelos estereótipos da publicidade comercial e da indústria do entretenimento. A formação da consciência e da vontade política, cada vez mais complexa em virtude do aumento global das informações, reduz-se, paradoxalmente e em simultâneo, com a comunicação estereotipada que apresenta os dados da realidade, a consciência e essa vontade política de formar cada vez mais simplista e menos diferenciada. Desse modo, tem necessariamente que aumentar a discrepância entre o povo e os seus delegados, em vez de se reduzir por via da comunicação recíproca, dialógica, mutuamente enriquecedora. Temos numerosos exemplos desta redução mágica em política e na comunicação social: quando a análise da realidade política é substituída pelo grito ou pelo slogan, quando os sinais identitários de um partido são remetidos para os seus símbolos em vez de se demarcarem pela sua prática transformadora, quando se toma por opinião pública aquilo que é a opinião publicada de uns poucos, ou quando se toma por realidade aquilo que não passa da versão interessada que dela dão esses poucos.

No âmbito da imprensa, a hiper-abundância de publicações de entretenimento e distracção (a chamada imprensa do coração, por exemplo), face à escassez de diários políticos (imprensa de compromisso político e partidário) não conduziu à ampliação do espectro de opiniões, mas antes ao incremento dos estereótipos sociais criados por um punhado de donos do mercado. A televisão, por seu lado, não é uma visão à distância, no sentido de uns binóculos ou de um telescópio, capaz de reforçar a percepção da realidade. Os meios audiovisuais e as novas tecnologias facilitaram enormemente o controlo e o acesso de uns poucos a milhões e milhões de pessoas. A democracia supostamente trazida por esta técnica resume-se ao consumo milionário de técnica. Pois são estes milhões que, mediante o gasto financeiro na aquisição de equipamentos e o gasto em biotempo investido no consumo de emissões socialmente ritualizadas permitem a redução dos custos na economia de sinais para a minoria de produtores de comunicação.

Na linguagem, a metáfora, enquanto imagem linguística, também reduz o discurso. A imagem linguística pode facilitar a compreensão, mas não contribui em nada para a explicação uma vez que a representação imagética, gráfica, introduz outro modo de representação. "Vê-se" o que "o navio do Estado" quer dizer, mas a imagem nada diz acerca do Estado, apenas transporta o receptor para uma representação (gráfica) do Estado.

Outro tanto se passa com a "aldeia global" ou "o meio é a mensagem" e demais metáforas mais ou menos correntes, de Marshall McLuhan. A redução diminui crescentemente o gasto de sinais. Expressar-se com brevidade significa deixar coisas de fora, descontextualizar a informação. Ora isso não significa que essas coisas, relações, contradições, etc., deixem de existir, mas apenas que são suprimidas da comunicação. Ao mesmo tempo, quando se comunica alguma coisa, essa coisa adquire um significado e uma relevância que não coincidem com os que tem por si mesma, mas são, antes, aqueles significado e relevância que se lhe atribui. Como se sabe, toda a informação é selectiva e interessada.

Acossada pela necessidade de encontrar a expressão mais adequada, a linguagem recorre à imagem. Ao apresentar linguisticamente uma imagem, a metáfora reduz momentaneamente o simbolismo discursivo da linguagem à "apresentação integral simultânea" (Langer, 1982) que caracteriza a imagem. Diminui o gasto com a procura da expressão. A metáfora poupa energia ao reduzir as explicações a uma imagem linguística. Deste modo, poupa também tempo de emissão e papel, suportes materiais da expressão. A metáfora é uma expressão da economia de sinais. Isto explica a sua omnipresença na imprensa e na tele e radiodifusão.

Pode, então, dizer-se que quanto mais curta e estereotipada for a comunicação, tanto maiores serão a violência simbólica e o poder mágico dos seus meios, e tanto menor será o significado que pode construir para si próprio o sujeito receptor.


4. O pensamento mágico

A produção industrial de comunicação está relacionada com as normas da técnica, outro dos traços distintivos da magia. Como o resto das indústrias, produz-se em série, de forma estandardizada. A linguagem jornalística, os livros de estilo, os formatos e géneros, os jornais radiofónicos e televisivos, as séries, etc. confirmam esta produção estereotipada e uniforme.

A comunicação estandardizada elimina a distância crítica entre o seu consumidor e o respectivo meio envolvente, obstrui a reflexão necessária para o seu conhecimento e domínio. Daí que reforce o poder da minoria produtora, ao ocultar contradições e conflitos, ao suprimir a diferença entre imaginação e percepção, desejo e satisfação, imagem e coisa. A sociedade produtora e consumidora de comunicações simplificadas e estandardizadas é uma sociedade de necessidades insatisfeitas. Tal sociedade revela-se presa fácil dos interesses de pequenos grupos produtores.

O argumento racional da simplificação técnica baseia-se na superioridade distribuidora de uma pequena minoria, expressa pelo facto de que é a gigantesca maioria que vinha ao seu encontro.

A mediação realizada pelos "meios de comunicação de massas" é, portanto, unificadora e indiferenciada.

Para viver e agir, o Homem precisa de ordenar os seus conhecimentos num quadro geral de referência que lhes dê sentido. Tanto na sociedade primitiva como na sociedade industrializada, o Homem deve prefigurar o seu mundo e construir o seu modelo de universo. Caso o modelo seja racional, o conhecido será obtido através da diferenciação e da sistematização. Mas se carece de um modelo racional, como ocorre no pensamento mágico, aquilo que se reafirma é a imagem homogeneizada do universo onde homens e estados de coisas interagem sem saber porquê e sem conhecer as suas relações. As diferenciações estabelecidas pelo pensamento racional sobrepõem-se, assim, à indiferenciação primitiva, ao conhecimento infantil.

Na era da técnica e da especialização o pensamento indiferenciado, mágico, é uma forma de integração dos "vazios" e das carências afectivas da vida quotidiana, criados pela fragmentação do conhecimento e das relações sociais. Baseando-se no princípio de que a técnica e a ciência são omnipotentes, surge a crença de que se pode ficar a saber através dos meios de comunicação, de que se pode conhecer o mundo por intermédio do consumo assíduo de comunicações mediadas e mediatizadas.

Ora, quanto mais numerosas as informações recebidas pelo sujeito individual, quanto mais complexas as redes da mediação social, tanto mais provável se torna que esse sujeito venha a encontrar-se sobrecarregado enquanto "recipiente" e colocado perante a impossibilidade de processar essas informações no quadro da sua experiência pessoal. Ou, até, de singularizar o seu pensamento para si mesmo, distanciamento que estabeleceria a premissa da diferenciação. Onde a reflexão se torna impossível, o mundo recebido deve considerar-se como "a realidade". A autenticidade da percepção difusa e diluída no meio técnico faz com que a imagem televisiva ou o texto de imprensa sejam a coisa mesma. O "essencial" é tê-lo ouvido, visto ou lido na rádio, na televisão ou no jornal.

Prometem-se, assim, informações e conhecimentos. Mas, salvo a previsão meteorológica, útil para o passeio de domingo, o que se transmite só muito raramente é convertível à prática directa da vida. A fé na informação dilui-se em muitas notícias que se esquecem um par de horas depois e com as quais o receptor não sabe o que fazer, porque não está em condições de compreender a sua origem, o seu alcance ou significado. Quanto maior é a fé na informação, mais profundamente dogmático é o retorno ao mito. Os défices racionais compensam-se emocionalmente. O culto da informação pode traduzir-se facilmente pelo culto do poder e da força.

Por último, a fé na informação produziu a inexacta impressão de que a imprensa, a rádio, a televisão ou o cinema são meios de informação e de comunicação. Contudo, se medidos pelo seu volume de produção, os meios de comunicação servem sobretudo a publicidade comercial e o entretenimento. A imprensa cor-de-rosa é muito mais numerosa do que a informativa, a rádio é acima de tudo um instrumento musical e a televisão uma longa-metragem transmitida em casa. Como se sabe, compra-se o vídeo para ver ainda mais filmes e mais televisão. A sua utilidade não consiste em reduzir a ignorância, mas em preencher temporal e ficticiamente os défices emocionais pela distracção, para matar o tempo.

A consciência indiferenciada corresponde à vida sentimental estereotipada. O pensamento indiferenciado cria uma consciência conformista. Isto significa depositar em mãos alheias a solução dos problemas próprios, com o que isso representa de possibilidade de manipulação. Aí reside o perigo de entregar as rédeas dos assuntos pessoais às mãos dos especialistas ou do novo clero académico. Autodeterminação significa, acima de tudo, libertação da angústia.

A reprodução da vida em dados e informações não é suficiente. O homenzinho perdido na massa talvez possa interessar-se pelos dados em que pode decompor o mundo. Mas nunca deixará de procurar uma imagem através da qual possa recompô-lo e que lhe sirva para se identificar com o seu meio envolvente e suprir as suas carências afectivas. Por isso a imagem substitui a informação, o pensamento indiviso a reflexão, e a mitologia do poder, o pensamento crítico.

Onde o mito impera, o culto ocupa o centro das atenções, do culto da personalidade ao culto sentado da televisão. O pensamento mágico é o antídoto da inteligência, cuja acção corrosiva poderia até destruir a coesão social por via do seu espírito crítico. A concepção da realidade como o pior inimigo do Homem e, por conseguinte, a exploração da "ilusão redentora" converteu-se, desde há muito, na máxima da indústria do entretenimento. Os sentimentos foram transformados em mercadoria rentável.

Assim, como a consciência é o resultado da acção e da experiência, há que criar outras condições sociais de vida e de trabalho que permitam ao Homem enriquecer-se com as suas experiências pessoais e não permitir nenhuma "exploração da alma" por poderes alheios.


5. O modo indicativo e imperativo

O modo directo do discurso é o indicativo e o imperativo. É a palavra que, como dizia Marcuse, "induz a agir, comprar e aceitar". Tudo isso se transmite com um estilo conciso, com uma sintaxe comprimida e condensada, que impede o desenvolvimento do verdadeiro significado. Não admite contradições, nem matizes. A definição fechada dos conceitos perverte de tal modo o discurso que pode chegar ao resultado de que, em nome da liberdade de expressão, se bombardeiem jornais e emissoras de rádio e televisão, ou que à guerra se chame paz e às suas vítimas "danos colaterais". As guerras criminosas contra a Jugoslávia, o Afeganistão, o Iraque, o Líbano podem servir de exemplo desta perversão da linguagem. Dentro desta lógica da razão pervertida, os negócios da guerra, a sua destruição para todos, os interesses particulares daqueles que enriquecem com a devastação e a morte, são assimiladas às vantagens da paz e aos interesses gerais do bem comum.

As proposições desta linguagem indiferenciada, mágica, são simultaneamente intimidatórias e glorificadoras. São as formas de ordens sugestivas, mais evocativas do que demonstrativas. Trata-se do discurso hipnótico do reclame publicitário, ou da brutalidade imperativa do "quero, posso e mando", se o caso assim o exigir. É a linguagem unidimensional que visa criar o homem unidimensional.

O uso tão frequente de abreviaturas (NATO, ONU, UE, etc.) evita perguntas indesejadas. Assim, NATO não sugere o mesmo que Organização do Tratado do Atlântico Norte. Porque, neste caso, haveria que perguntar o que fazem aí países como a Turquia, a Grécia ou a Itália que nada têm a ver com o Atlântico Norte, ou haveria ainda que saber por que se encontram estas tropas a defender os interesses dos consórcios petrolíferos norte-americanos na Ásia Central.

O discurso fechado apresenta a realidade em termos dicotómicos, de bons e maus. Não demonstra, nem explica, visa apenas o controlo, reduzindo a imagens simplificadoras as formas e os símbolos da reflexão, a abstracção, a contradição e a dialéctica da realidade social complexa. E mesmo que as pessoas não acreditem nessa linguagem, ou não se importem com ela, acabam no entanto, por agir em conformidade com ela, segundo as suas prescrições.

Enquanto os meios de comunicação empregam cada vez mais o indicativo na vida pública, na vida privada as pessoas questionam-se diariamente sobre como seria se… Isto tem a ver com o imperativo da expressão curta e com a brevidade da transmissão técnica. A informação televisiva reforça esta tendência. Uma imagem mostra aquilo que exibe. A linguagem deve explicar o significado plural das coisas, a relatividade dos conceitos. Mas, por razões de tempo e espaço, não permite nenhum conjuntivo ou condicional, nenhuma subordinação. A olhadela fugaz aos pequenos símbolos compensa-se com as ilusões que podem ser obtidas pela Internet no interior do próprio covil. Mas isto não proporciona nenhuma certeza. Caso se pretenda obtê-la, há que verificar por meios próprios, na interacção com a realidade e com os outros seres humanos, no diálogo enriquecedor.


6. A perda do diálogo e do discurso

A "sociedade dos media" como por vezes se chama ao estádio actual da evolução medial, isto é, à era da comunicação electrónica, não faz outra coisa senão pôr em evidência a necessidade de comunicação primária, dessa comunicação de contacto humano elementar. São frequentes as queixas pelas perdas na relação com os outros, da conversa distendida e calma, do debate e da troca argumentativa em diálogo. Se na televisão os problemas se resolvem em meia hora ao soco e aos tiros, na realidade as coisas não são assim. Aqui, todas as respostas suscitam novas perguntas. É também assim que acontece na ciência. Esta não existe apenas para fornecer respostas, mas também para construir novas perguntas. À semelhança do que caracteriza, igualmente, a relação humana elementar, na comunicação directa, cara a cara.

A relação unidireccional, sem retorno, não tem verdadeiro interlocutor. A chamada comunicação de massas é uma perda de presença. No diálogo, na relação inter-humana, a presença é o elemento decisivo. Na ausência, esse diálogo não existe. Qualquer pessoa conhece a diferença que existe entre a presença virtual e a presença real de uma outra.

É na conversação com o outro que o diálogo criador e a solidariedade podem emergir. Ora isto não interessa especialmente ao poder dos governantes que querem reger a sua confrontação com unidades o mais fechadas e isoladas possível.

Em comunicação, a tensão surge da possibilidade de contraposição a um tema comunicado um contratema, à dicção uma contradição, à imagem a contra-imagem. Porém, se os meios de comunicação difundem em uníssono o mesmo tema, aquilo que sucede é que o contratema, a contradição e a contra-imagem devem encontrar outro lugar onde articular-se. Em vez de diálogo, é monólogo aquilo que se tem.

Na era da televisão, cujo final se aproxima, a privacidade e autodeterminação aparentes da recepção excluíram em larga medida as componentes dialógicas de comunicação e resposta. Até aqui, a técnica não tem permitido o diálogo porque o suporte comunicativo anula o princípio da assembleia, ao condenar os seus intervenientes à condição muda de mirones. Contemplam o aparelho como um móvel que possuem, enquanto os comunicadores, os produtores, se encarregam de conceber os seus consumidores enquanto meras grandezas estatísticas.

Para que nos aproximemos de uma sociedade de homens e mulheres livres, sociedade que jamais existiu na História, é preciso incrementar a participação da maioria no produto do seu trabalho e reduzir a parte da minoria. Mas aquilo que se verifica é precisamente o contrário. Bem-estar significa dispor de coisas, dominação significa dispor de pessoas e, no caso dos meios de comunicação, dispor do seu biotempo. Com o biotempo dos consumidores, os meios de comunicação apropriam-se da força de trabalho gratuita da percepção. Este é um elemento da economia de sinais. A força de trabalho dos espectadores é sugada por via do entretenimento, sendo trocadas as audiências, por euros e dólares nas cotações da manhã seguinte.

A comunicação é cada vez mais mediatizada e menos dialógica (Paulo Freire), o que equivale a uma perda do humano. As novas tecnologias permitem o diálogo virtual através da Internet. E é aí que o vazio dialógico desta chamada "sociedade da comunicação" tem a sua contrapartida ilusória, no êxito das seitas e dos grupos da Internet.

No diálogo directo, lê-se, na expressão do outro, aquilo que não se ouve. Ora o verdadeiro diálogo é hoje, para muitos, uma coisa demasiado exigente. Numa sociedade em que se dialoga cada vez menos, o diálogo genuíno torna-se cada vez mais difícil. A fasquia dialógica eleva-se, enquanto a fasquia da excitação baixa. Uma vez que a possibilidade de entendimento dialógico é menor, as emoções emergem com maior nitidez. A sociedade da imagem fica sem discurso.


7. Aspectos epistemológicos

A busca do conceito prosseguirá e far-se-á bem ao considerar a linguagem, inclusive na revolução electrónica como «processo interrompido de criação da expressão espiritual» (G. Humboldt).

A procura da verdade resulta do uso linguístico condicional, da reflexão e cognoscibilidade do sujeito e do predicado. Disso se nutrem o discurso crítico e a clareza entre pergunta e resposta. A clareza da linguagem abre o pensamento à avaliação relativizadora. Isto não é nada bom para os poderosos. Assim, há que eliminar as frases no condicional, suprimir o conjuntivo, a predicação verte-se em substantivização e emerge no lugar do sujeito: não se deve examinar quem é o actor. Os sujeitos responsáveis vêem diluir-se as suas responsabilidades nas instituições que representam. Mas a sua manifestação é um uso linguístico absoluto: a partir de certo nível, já não se opina, afirma-se, declara-se, à semelhança da oferta convertida em lei da "economia" na linguagem publicada e ainda por cima recoberta pela aparência de objectividade.

Por outro lado, a precisão informativa encontra-se intimamente relacionada com a sua fiabilidade e com o reflexo objectivamente verdadeiro dos factos e dos seus contextos. Daqui decorrem, sobretudo na comunicação escrita, problemas de equilíbrio entre concisão de linguagem, lógica expositiva e densidade informativa. Quer dizer, pede-se que as informações não sejam contraditórias e que o texto ou espaço dedicado ao tratamento de uma informação seja proporcional à sua importância.

Numa perspectiva de "brevidade lacónica" que relaciona a ordem com a economia de sinais, a expulsão do pensamento para fora da linguagem deu sempre jeito aos governantes. Todos os impérios chegam até onde o façam os seus meios de comunicação. Numa Era em que as redes electrónicas cobrem toda a superfície da Terra, o poder dos exploradores dos meios de comunicação aumenta de modo correspondente.


8. Perspectivas

Sabe-se que as comunicações breves e fugazes devem apreender-se rapidamente, mas que só se podem entender de modo paulatino, pedindo mais informação e fazendo novas perguntas. O público a quem é permitido ver e ouvir, mas a quem se impede que leia, vê dificultada a sua emancipação. Aquilo que se pode ter a preto e branco para levar tranquilamente para casa é apenas o princípio da comunicação. Proclamar o que se leu, publicá-lo é um segundo passo, sem o qual o primeiro carece de sentido. É a palavra que dá vida à letra morta. A emancipação não se realiza premindo um botão de rádio ou de televisão, nem mudando de canal a cada dois segundos, mas unicamente tomando a palavra e pronunciando o mundo como ele é (Paulo Freire).

O reducionismo actual do discurso jornalístico conduz à despolitização da sociedade, efectuada através do reclame consumista o que equivale a um enfraquecimento do Estado. Este reduz-se, por seu turno, a acções simbólicas.

Este mecanismo visa uma ordem económica e não pretende satisfazer necessidades, mas, pelo contrário, criá-las. As mensagens dos meios de comunicação de massas acopladas à indústria da sugestão do reclame comercial suscitam nos seus receptores falsas expectativas. Devem ir à procura da salvação precisamente onde ela não está: no consumo dos miraculosos mundos dos meios de comunicação. Talvez, como afirma Harry Pross, a exploração dos recursos da Terra, dos tesouros da Natureza tenha chegado tão longe que a indústria tenha agora de recorrer à exploração das almas dos homens e mulheres. Os esforços dirigem-se, agora, não tanto à exploração da força de trabalho, como à indução fisiológica e psicológica de necessidades que devem fazer rolar a roda da denominada "sociedade de mercado livre", ou seja, do capitalismo.

É certo que apenas pelos meios de comunicação se pode chegar ao público. A "sociedade global" não tem uma atitude, como tampouco os "meios de comunicação" ou a "imprensa" parecem estar em condições de assumir uma postura. Na actualidade, como o público deve aceitar os novos meios electrónicos de comunicação a fim de sufragar os gastos enormes dos seus inventores e proprietários, apelar à consciência dos legisladores é tão fútil como apelar à responsabilidade de jornalistas e editores. Haveria antes que partir de baixo. Poder-se-ia tentar:

– congregar público com meios alternativos de comunicação capazes de funcionar sem critérios comerciais na denúncia da indústria mediática.
– realizar um trabalho de formação nas escolas, estabelecer o estudo dos meios de comunicação como disciplina curricular.
– fomentar a capacidade comunicativa. Não basta ser um receptor "crítico". Cada um deve ganhar consciência do seu lugar e papel no processo de comunicação de massas e das possibilidade de que dispõe para articular, expressar e satisfazer as suas necessidades.

A reflexão sobre o futuro do jornalismo não deve esquecer a sua origem nem as suas características profissionais: os jornalistas investigam, produzem e publicam sob as condições materiais existentes. As novas tecnologias aumentam o fascínio pelo lúdico quando se dominam as velhas artes da investigação, da formulação e da publicação. Ninguém pode manejá-las sem alfabeto, sem o domínio da configuração artesanal e sem a sua própria fantasia e imaginação.

Descobrir as contradições, analisá-las e comentá-las continua a ser uma tarefa de grande exigência. A solução consiste em guardar a devida distância relativamente aos assuntos e o compromisso com o público, isto é, com o povo.

Se a capacidade diferenciadora dos grandes meios e da comunicação institucional, académica, não pode ou não quer colocar as questões no sentido ilustrador aqui exposto, a inteligência humana tem de utilizar outros meios para o fazer. O factor decisivo é sempre a sociedade polifacetada das populações, o mundo múltiplo dos movimentos populares, dos leitores e não leitores, negros e vermelhos, homens e mulheres, etc.

Se a comunicação organizada dos grandes meios jornalísticos e das instituições não indagam os conflitos nem os questionam, estes acabarão por deflagrar de uma maneira ou de outra. A utilidade dos meios de comunicação é relevante enquanto exprimam os conflitos latentes, antes que as pedras comecem a voar e a força bruta tome o lugar da pergunta e da resposta.

Colocar hoje as perguntas incómodas, provocadoras, significa encontrar as respostas de amanhã. Omiti-las equivale a não cumprir como devido a profissão de comunicador ou de formador de comunicadores.

 

*Catedrático de Comunicação Audiovisual (jubilado em 2005) da Universidade de Sevilha, doutorado pela Universidade Complutense de Madrid e doutorado cum laude pela Universidade de Münster, autor de A formação da mentalidade submissa.

O presente texto, aqui reproduzido por gentileza da editora, constitui o capítulo 1 de A intoxicação linguística, tradução de Rui Pereira, Deriva Editores
, Porto, 2008, 206 páginas, ISBN 978-972-9250-45-3.