O Uísque

12/04/2011 22:51

 

O Uísque

 

*Barão de Itararé

 

            Eu tinha doze garrafas de uísque na minha adega e minha mulher me disse para despejar todas na pia, porque se não...

            - Assim seja! Seja feita a vossa vontade, disse eu, humildemente.

            E comecei a desempenhar, com religiosa obediência, a minha ingrata tarefa.

            Tirei a rolha da primeira garrafa è despejei o seu conteúdo na pia, com exceção de um copo, que bebi.

            Extraí a rolha da segunda garrafa e procedi da mesma maneira, com exceção de um copo, que virei.

            Arranquei a rolha da terceira garrafa e despejei o uísque na pia, com exceção de um copo, que empinei.

            Puxei a pia da quarta rolha e despejei o copo na garrafa, que bebi. Apanhei a quinta rolha da pia, despejei o copo no resto e bebi a garrafa, por exceção.

            Agarrei o copo da sexta pia, puxei o uísque e bebi a garrafa, com exceção da rolha.

            Tirei a rolha seguinte, despejei a pia dentro da garrafa, arrolhei o copo e bebi por exceção.

            Quando esvaziei todas as garrafas, menos duas, que escondi atrás do banheiro, para lavar a boca amanhã cedo, resolvi conferir o serviço que tinha feito, de acordo com as ordens da minha mulher, a quem não gosto de contrariar, pelo mau gênio que tem.

            Segurei então a casa com uma mão e com a outra contei direitinho as garrafas, rolhas, copos e pias, que eram exatamente trinta e nove. Quando a casa passou mais uma vez pela minha frente, aproveitei para recontar tudo e deu noventa e três, o que confere, já que todas as coisas no momento estão ao contrário.

            Para maior segurança, vou conferir tudo mais uma vez, contando todas as pias, rolhas, banheiros, copos, casas e garrafas, menos aquelas duas que escondi e acho que não vão chegar até amanhã, porque estou com uma sede louca...

 

(O texto acima foi extraído do livro Máximas e Mínimas do Barão de Itararé, Editora Record - Rio de Janeiro, 1985,  pág. 28 e seguintes, uma coletânea organizada por Afonso Félix de Sousa).

 

*Um dos pseudônimos de Apparício Torelli (1895-1971), jornalista satírico gaúcho.