Sustentabilidade: adjetivo ou substantivo?

13/06/2011 18:56
https://socialismo.org.br/portal/ecologia/95-artigo/2081-sustentabilidade-adjetivo-ou-substantivo


Ecologia
Leonardo Boff   
Qua, 08 de Junho de 2011 10:26

Leonardo BoffLeonardo BoffÉ de bom tom hoje falar de sustentabilidade. Ela serve de etiqueta de garantia de que a empresa, ao produzir, está respeitando o meio ambiente. Atrás desta palavra se escondem algumas verdades mas também muitos engodos. De modo geral, ela é usada como adjetivo e não como substantivo.

Explico-me: como adjetivo é agregada a qualquer coisa sem mudar a natureza da coisa. Exemplo: posso diminuir a poluição química de uma fábrica, colocando filtros melhores em suas chaminés que vomitam gases. Mas a maneira com que a empresa se relaciona com a natureza donde tira os materiais para a produção, não muda; ela continua devastando; a preocupação não é com o meio ambiente mas com o lucro e com a competição que tem que ser garantida. Portanto, a sustentabilidade é apenas de acomodação e não de mudança; é adjetiva, não substantiva.

Sustentabilidade como substantivo exige uma mudança de relação para com a natureza, a vida e a Terra. A primeira mudança começa com outra visão da realidade. A Terra está viva e nós somos sua porção consciente e inteligente. Não estamos fora e acima dela como quem domina, mas dentro como quem cuida, aproveitando de seus bens mas respeitando seus limites. Há interação entre ser humano e natureza. Se poluo o ar, acabo adoecendo e reforço o efeito estufa donde se deriva o aquecimento global. Se recupero a mata ciliar do rio, preservo as águas, aumento seu volume e melhoro minha qualidade de vida, dos pássaros e dos insetos que polinizam as ávores frutíferas e as flores do jardim.

Sustentabilidade como substantivo acontece quando nos fazemos responsáveis pela preservação da vitalidade e da integridade dos ecossistemas. Devido à abusiva exploração de seus bens e serviços, tocamos nos limites da Terra. Ela não consegue, na ordem de 30%, recompor o que lhe foi tirado e roubado. A Terra está ficando, cada vez mais pobre: de florestas, de águas, de solos férteis, de ar limpo e de biodiversidade. E o que é mais grave: mais empobrecida de gente com solidariedade, com compaixão, com respeito, com cuidado e com amor para com os diferentes. Quando isso vai parar?

A sustentabilidade como substantivo é alcançada no dia em que mudarmos nossa maneira de habitar a Terra, nossa Grande Mãe, de produzir, de distribuir, de consumir e de tratar os dejetos. Nosso sistema de vida está morrendo, sem capacidade de resolver os problemas que criou. Pior, ele nos está matando e ameaçando todo o sistema de vida.

Temos que reinventar um novo modo de estar no mundo com os outros, com a natureza, com a Terra e com a Última Realidade. Aprender a ser mais com menos e a satisfazer nossas necessidades com sentido de solidariedade para com os milhões que passam fome e com o futuro de nossos filhos e netos. Ou mudamos, ou vamos ao encontro de previsíveis tragédias ecológicas e humanitárias.

Quando aqueles que controlam as finanças e os destinos dos povos se reunem, nunca é para discutir o futuro da vida humana e a preservação da Terra. Eles se encontram para tratar de dinheiros, de como salvar o sistema financeiro e especulativo, de como garantir as taxas de juros e os lucros dos bancos. Se falam de aquecimento global e de mudanças climáticas é quase sempre nesta ótica: quanto posso perder com estes fenômenos? Ou então, como posso ganhar comprando ou vendendo bonus de carbono (compro de outros paises licença para continuar a poluir)? A sustentabilidade de que falam não é nem adjetiva, nem substantiva. É pura retórica. Esquecem que a Terra pode viver sem nós, como viveu por bilhões de anos. Nós não podemos viver sem ela.

Não nos iludamos: as empresas, em sua grande maioria, só assumem a responsabilidade socio-ambiental na medida em que os ganhos não sejam prejudicados e a competição não seja ameaçada. Portanto, nada de mudanças de rumo, de relação diferente para com a natureza, nada de valores éticos e espirituais. Como disse muito bem o ecólogo social uruguaio E. Gudynas: "a tarefa não é pensar em desenvolvimento alternativo mas em alternativas de desenvolvimento".

Chegamos a um ponto em que não temos outra saída senão fazer uma revolução paradigmática, senão seremos vítimas da lógica férrea do Capital que nos poderá levar a um fenomenal impasse civilizatório.

Leonardo Boff é teólogo

 


Estudo do IPEA desmascara o que os ruralistas tentam esconder

O texto do Código Florestal aprovado na Câmara irá mesmo causar mais desmatamentos e anistiar quem descumpriu a lei, comprometendo nossos recursos naturais e favorecendo principalmente os grandes proprietários de terra.

O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) é uma fundação pública federal vinculada à Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. O estudo teve como objetivo avaliar os possíveis impactos do PL 1.876/99-C sobre as áreas de Reserva Legal (RL) no Brasil.

"Há tempos denunciamos que os ruralistas fizeram um texto para anistiar o crime ambiental e estimular o desmatamento. O estudo divulgado pelo IPEA confirma e põe números ao que vínhamos dizendo", afirma Marcio Astrini, coordenador da campanha da Amazônia. Veja abaixo alguns números apresentados pelo Estudo e suas consequências caso o texto aprovado entre em vigor:

Aumento do Desmatamento em 47 milhões de hectares

O estudo considerou a hipótese de que a mudança da lei poderá influenciar desmatamentos futuros nas áreas isentas de reserva legal, levando a uma perda total da vegetação dessas áreas que deixarão de ser averbadas e ter assim proteção legal. A perda total de área de reserva legal, relativa aos imóveis de até quatro módulos fiscais, poderá chegar a 47 milhões de hectares. A maior parte dessa área ocorrerá na Amazônia com 24,6 milhões de há (53%).

Anistia = 29,6 milhões de hectares

135,7 milhões de hectares, correspondente à área dos imóveis de até quatro módulos fiscais, deixarão de compor a base de cálculo para recuperação de RL. O passivo total estimado isento de ser recuperado é de 29,6 milhões de hectares, sendo que a maior parte deste passivo ocorreu na Amazônia e é de 18 milhões de ha (61%).

Premiando quem desmatou

¨... anistiar os passivos e obrigar, sem nenhum benefício compensatório, a manutenção das RLs daqueles que cumpriram a lei vigente, sinalizaria que há a possibilidade de se beneficiar, no futuro, do descumprimento da legislação fundiária ou ambiental.

(...)

"A alteração do PL 1.876/99 apresenta outra implicação relevante: a anistia de recomposição das áreas de reserva legal pune o proprietário rural que está cumprindo a legislação atual, uma vez que haverá uma tendência de desvalorização do seu imóvel"

PL dos Ruralistas – De braços dados com o aquecimento global

A pesquisa estimou que a quantidade de carbono que pode deixar de ser retida, caso os passivos de reserva legal hoje existentes nos imóveis de até quatro módulos fiscais sejam anistiados, é de 3.1 bi de tC. O bioma Amazônico seria onde a maior parte do carbono deixaria de ser incorporado à vegetação.

O documento ainda aponta que: ¨Os resultados obtidos neste estudo indicam que a alteração proposta no PL 1876/99 para as áreas de RL impactarão significativamente sobre a área com vegetação natural existente nos biomas brasileiros e sobre os compromissos assumidos pelo Brasil para redução de emissões de carbono.¨

O texto dos ruralistas não interessa á agricultura familiar

O estudo ainda questiona a serventia do texto aprovado á agricultura familiar. Segundo o texto, a lógica de permitir mais desmatamentos para a implementação da agropecuária convencional e de baixo valor por área não seria a melhor solução econômica para pequenos imóveis. Ao contrário, aponta que o uso econômico da floresta seria muito mais rentável á este tipo de agricultor:

"Ao prever a possibilidade de uso econômico das reservas legais, o Código Florestal reconhece a potencialidade dessas áreas para o desenvolvimento econômico sustentável. Em primeiro lugar, são atividades ambientalmente adequadas, uma vez que necessitam que a vegetação seja preservada, o que permite seu uso permanente. Em segundo, sistemas sustentáveis de exploração da floresta são intensivos em mão-de-obra, consistindo, portanto, num potencial gerador de empregos e de desenvolvimento da agricultura familiar. Em terceiro, fornecem mais segurança econômica ao produtor, em virtude da diversificação e da menor incidência de pragas, comuns na monocultura. Em quarto, podem ser altamente rentáveis, podendo apresentar rendimentos por área mais elevados do que a agropecuária convencional para o pequeno produtor.

Os estabelecimentos agropecuários, sobretudo a pequena propriedade familiar, deveriam ser estimulados a conservar e recuperar suas reservas legais de forma a auferir rendimentos mediante o uso sustentável da floresta. Esse incentivo poderia vir por meio de políticas de estímulo ao uso sustentável da reserva legal."

UNB

Nesta segunda feira, pesquisadores do Centro de Desenvolvimento Sustentável da UnB apresentaram projeções sobre o aumento do desmatamento para o ano 2020 também levando em consideração o texto dos ruralistas aprovado na Câmara. Resultado: do jeito que está, o texto poderá provocar um desmatamento 47% maior que o previsto para 2020. Já se a legislação atual fosse mantida e o Estado aumentasse a fiscalização, o desmatamento seria 25% menor que o projetado para os próximos 10 anos.

Desde o início dos debates sobre o Código Florestal, a bancada da motosserra sempre lutou para manter cientistas e estudiosos fora deste debate. Agora sabemos o porquê: eles colocam no papel a verdade sobre as reais intenções dos ruralistas , completa Marcio Astrini.

08/06/2011

Fonte: Ivan Valente