Aluno da Universidade estadual do Paraná faz análise sobre a mídia e manipulação da informação. Muito bom.

04/04/2011 14:37

Revista Veja e o MST durante o Governo Lula/PT

Cássio Augusto S. A. Guilherme

 

Introdução

A Imprensa sempre reivindicou para si a imparcialidade diante dos fatos, no entanto, são diversos os trabalhos que enfatizam o contrário. A Revista Veja é objeto de vários destes estudos, sempre salientando o seu viés conservador e ligado às diretrizes do Governo. Com a chegada ao poder do primeiro Presidente da República apoiado por partidos de Esquerda, é importante o estudo do período compreendido entre os anos de 2003 a 2006, ou seja, o primeiro Governo Lula/PT, na busca de confirmar-se ou mesmo desmentir a tese apresentada acima.

Sobre Manipulação e Imprensa:

 

“O leitor é induzido a ver o mundo não como ele é, mas sim como querem que ele o veja”

Perseu Abramo (ABRAMO, 2003, p.23.)

Em um Estado dito democrático, como é o caso do Brasil, a Imprensa reivindica para si o status de ser livre, independente, neutra, imparcial e objetiva, ainda mais após o fim do regime ditatorial militar e sua censura, ou seja, os jornais, televisões, revistas e afins tentam vender a idéia de que estão acima do bem e do mal, e que suas reportagens e opiniões expressam a verdade absoluta. No entanto, uma simples análise mais cuidadosa sobre o tema, nos leva à conclusão contrária.

No sistema capitalista, tudo o que se produz é mercadoria, tem seu valor, precisa de vendedores e compradores. Nesta lógica, a notícia passa a ser simples mercadoria, uma vez que o proprietário do veículo de comunicação visa também o lucro, pois, caso contrário, está fadado à falência. Aqui já cai por terra o mito da liberdade/independência de imprensa.

Ser possuidor de um veículo de comunicação é a forma que o proprietário, ou grupo a este ligado, encontra de exprimir sua opinião sobre os mais diversos temas, omitir informações ou até mesmo distorce-las ao seu bel prazer/interesse. Assim, a grande imprensa intimamente ligada aos interesses de grupos conservadores tratou de “criar” alguns padrões de manipulação, que foram muito bem desvendados por diversos autores. Dentre os principais padrões podemos destacar:[1]

 

 

 

 

Ocultação: se refere justamente à decisão sobre o que será e o que não será notícia;

Fragmentação: uma vez superada a primeira fase, é feita uma fragmentação da realidade, expondo-se apenas o que for interessante segunda a lógica do emissor;

Inversão: a destruição da realidade original e a criação de uma nova;

Indução: o leitor acaba induzido a ver o fato noticiado não como ele é, mas sim como o apresentam;

Personificação: visa a criação de bodes expiatórios;

Maniqueísmo: que tenta dividir a questão em certa ou errada, bom ou mal.

Neste breve esboço acerca da imparcialidade da imprensa, conseguimos alocar a Revista Veja em todos os argumentos citados. A Revista sempre se julgou independente, no entanto a história nos mostra a sua clara opção pela candidatura de Fernando Collor, bem como sua derrubada. Mais recentemente, em época de plebiscito fez uma ferrenha campanha contra a proibição da comercialização de armas de fogo. Mais recentemente, escolheu Alckmin como candidato à Presidência e agora vem defendendo a redução da maioridade penal.

O lucro da Revista fica em primeiro plano, mais até que seu conteúdo. Em todos os documentos analisados para esta pesquisa, é possível notar que a metade ou quase ela das páginas da Veja contém propaganda, em sua maioria de empresas multinacionais e com produtos destinados à classe média e alta. Os padrões de manipulação estão presentes, pois o MST é sempre tratado como um bando de desordeiros, analfabetos que querem apenas tomar as terras dos produtores rurais. Não existe um debate sério e imparcial acerca do tema.

Uma Carta ao Leitor, de novembro de 2006 é no mínimo sugestiva para o tema proposto. Nela, Veja defende-se de uma charge publica pelo Jornal do Comércio, de Porto Alegre na qual consta um simulado diálogo entre um vendedor de revistas e o presidente Lula, que pede uma revista de sacanagem, momento em que o vendedor pergunta qual revista o Presidente gostaria, o mesmo responde: “A Veja, aquela que só me sacaneia!”.

Veja defende-se rebatendo o ponto de vista equivocado, segunda a mesma, que ronda as hostes petistas, de que a Revista persegue o Presidente Lula:

o fato é que VEJA não tem por objetivo fustigar ninguém. Sua história está aí para provar. (...) VEJA fiscaliza o poder (...) a defesa da democracia, da livre-iniciativa, da liberdade de expressão e opinião. (...) Imprensa livre não é imprensa neutra. O lado de VEJA é do lado do Brasil. (CARTA ao Leitor. O lado do Brasil. Veja, 01/11/2006: p.9)

Em tal trecho fica claro que o lado do Brasil que interessa a Veja defender é o da livre iniciativa, do mercado auto-regulador, dos poderosos e detentores dos meios de produção. O outro Brasil é apenas um bando de baderneiros que devem se contentar  com a democracia representativa, sendo inadmissível a luta por uma democracia plena de direitos.

A Revista Veja e o MST em tempos de FHC/PSDB

 

“Se perco o controle da imprensa, não agüentarei nem três meses no poder”

Napoleão Bonaparte

(SOUZA, 2004, p.51)

 

O MST surgiu em meados de 1984, no entanto, apenas veio a tomar maior notoriedade nacional nos anos 1990, quando então intensificou as ocupações de terras, bem como foi capaz de entender o caráter político/ideológico de sua luta.[2]

Enganam-se aqueles que pensam que o discurso da Revista Veja em relação ao MST sempre foi uniforme, muito pelo contrário, em tempos de FHC, a Revista saiu do silêncio em relação ao tema, para a satanização do Movimento.[3]

Para entendermos o período de 2003 a 2006, ou seja, o primeiro Governo Lula/PT, precisamos minimamente esboçar como foi a relação da Revista com o Movimento durante o governo do sociólogo tucano Fernando Henrique Cardoso.

A mídia em geral, somente deixou de ignorar o MST, quando da realização de seu III Congresso Camponês, onde o Movimento reuniu cerca de cinco mil pessoas em Brasília. A Revista Veja foi ainda mais tardia, apenas quando do massacre de Corumbiara é que o Movimento mereceu algumas páginas da Revista. Estranho tal silêncio de uma revista que se dispõe a cobrir os principais acontecimentos do Brasil e do Mundo, ainda mais quando muitos jornais já noticiavam sobre o Movimento. Neste momento, boa parte da “opinião pública” dominante se viu perdida diante da situação e se perguntavam: “_ O que faremos com este movimento de pobres que reivindica uma Reforma Agrária contra os nossos interesses?”.

A tática adotada por Veja e pela esmagadora maioria dos grandes veículos de comunicação sempre esteve alinhada ao discurso do governo FHC, intimamente ligado aos interesses dos grandes conglomerados econômicos.

Passou-se então à tentativa de cooptar o Movimento, ou seja, “comprar” a sua bandeira. O MST é tratado como um grupo de coitadinhos, de pés-descalços, analfabetos, sem eira nem beira que lutam por um simples pedaço de chão. Tal atitude por parte da Revista, tem a deliberada intenção de neutralizar as suas forças, reconhecer a sua demanda e lhes agraciar com algumas migalhas, sem, contudo, intervir de forma significativa na democratização pelo acesso à terra.

Como a tentativa acima não surtiu muito efeito e o Movimento intensificou ainda mais suas ações pela terra e também intensificou a crítica ao conjunto da sociedade e a política econômica do Governo, a tática teve de ser rapidamente mudada para uma tentativa de divisão do Movimento, tanto interna, quanto externamente na intenção de minar suas forças e impedir seu crescimento.

A divisão interna é buscada na tentativa de colocar um líder contra o outro, bem como de explorar contradições entre a massa de acampados e seus dirigentes. A divisão externa é ainda mais explícita, a Revista tenta fazer crer que o MST, devido às suas ações “desordeiras”, são contrários à modernização e não contam mais com o apoio do Partido dos Trabalhadores e da Igreja Católica, eternos aliados do Movimento.

Como o MST sobreviveu e continuou crescendo apesar de toda esta propaganda contrária, a ultima alternativa restante foi satanizar o Movimento. Passou-se a dar destaque a toda e qualquer conseqüência negativa das ações feitas pelo Movimento. A Revista utilizou-se de diversos clichês preconceituosos, fazendo um julgamento social dos integrantes. Termos como invasão, baderna e arcaico passaram a ser correntes nas reportagens. Esta atitude, visava a estereotipizar o Movimento como atrasado e antidemocrático, inclusive associando a figura de Lula ao MST, o principal adversário em uma futura corrida presidencial.

Revista Veja e o MST em tempos de Lula/PT

 

“A elite pode até aceitar que os pobres peçam favores ou mendicância, mas jamais aceitará que eles se organizem para exigir seus direitos”

Plínio de Arruda Sampaio

(STEDILE e FERNANDES, 1999, p.113)

 

É evidente que a linha editorial acerca da questão estava ligada às diretrizes que vinham do Palácio do Planalto. Veja reproduzia o discurso feito pelo Governo Federal. Mas em 2002, quem vence as eleições é justamente um ex-sindicalista, e até então defensor do MST. Qual seria a atitude da Revista Veja neste contexto? Estaria mais uma vez subordinada ao discurso do Governo Federal sobre a Questão Agrária e o MST?[4]

O Governo Lula/PT, o primeiro declaradamente de princípios socialistas a chegar ao poder no Brasil, com o voto de sessenta por cento dos eleitores e a confiança de mais de oitenta por cento da população, só poderia receber, como recebeu por parte da grande mídia, um período de respeito e expectativa quanto ao desenrolar dos fatos. Logo, a revista Veja não poderia escancarar seu ódio contra o MST já nas primeiras matérias.

No entanto, a satanização do MST por parte da revista continuou, mesmo que no seu começo tenha sido de forma ainda tímida, até publicando em suas páginas amarelas uma entrevista com Miguel Rossetto, Ministro do Desenvolvimento Agrário, e profundamente ligado ao Movimento.

Durante todo o primeiro Governo Lula/PT, podemos relacionar diversas formas de satanização do MST, no entanto, é interessante notarmos o aspecto novo introduzido nas reportagens da Revista Veja.

Se durante o Governo FHC, Veja limitava-se a apenas satanizar o MST, no Governo Lula as reportagens buscavam relacionar ou dois, ou seja, todas as matérias contem não apenas os deslindes do MST, mas principalmente a forma leviana, no entender da Revista, com que o Governo trata a questão. Tal atitude tem um visível propósito, colocar seus leitores contra o MST e o Governo Lula/PT ao mesmo tempo.

A satanização continua com reportagens sempre pré-conceituosas, onde podemos destacar como aspectos mais importantes: o MST não quer apenas terras, mas principalmente a tomada do Poder, seu principal objetivo; os sem-terra são massa de manobra para seus líderes; a figura de Che, Fidel e Mao Tsé Tung sempre são ligadas de forma pejorativa ao Movimento; os confrontos com mortos são culpa única e exclusiva do MST que promove as invasões; a Reforma Agrária é uma utopia do século passado; não existem mais latifúndios improdutivos no Brasil, portanto a luta do MST perdeu seu objeto; as tragédias são a matéria prima que o MST mais gosta de usar para sensibilizar a população sobre a sua causa; etc. Enfim, o MST invade, seqüestra, saqueia, vandaliza, tortura, mata, chega-se até ao cúmulo de compara-lo às FARC colombianas e ao PCC.

Tais estereótipos já são de conhecimento de grande parte do público e objeto de inúmeros estudos acadêmicos, no entanto, gostaria de me ater mais a questão levantada acima acerca da relação entre o Governo Lula e o MST, muito criticada pela Revista Veja, além de temas novos deste período, como o Agronegócio, as escolas do Movimento e as fazendas de Eucalipto.

O Agronegócio

A revista Veja, em todas as suas reportagens, deixa implícita a idéia de que somente o Agronegócio é bom para a economia do país. Relaciona-se a agricultura familiar ao atraso, a um ideal romântico, mas já superado pelo mundo globalizado. Assim, desqualifica-se a pretensão do MST.

Enchem-se as páginas da revista com números e mais números acerca das vantagens do Agronegócio, sua suposta produtividade e geração de emprego e renda[5]. Não se deixa que o MST fale sobre a questão, aliás, não se deixa que o movimento fale nunca, apenas quando a fala interessa para satanizá-lo.

O Ápice se dá na reportagem de Alexandre Secco, publicada em agosto de 2003, sob o sugestivo título de “O Brasil da solução... e o Brasil do problema”.

Parece incrível, mas o MST se posiciona contra o nivelamento por cima dos dois brasis existentes no campo. O exército de João Pedro Stédile condena o atual modelo do agronegócio, que emprega, gera receitas e movimenta a economia e não demonstra nenhuma preocupação com o lucro nem com a produtividade quer (e tem conseguido) cada vez mais verbas para sustentar seu modelo duvidoso de reforma agrária. (SECCO, Alexandre. O Brasil da solução e o Brasil do problema, 06/08/2003: p.49)

Após uma exposição das vantagens do agronegócio para o Brasil, a Revista conclui com o comentário acima, em uma visível tentativa de formar a opinião de seu leitor segundo o seu interesse, ou seja, a solução é o agronegócio e o problema é o MST. O discurso visual também é contrastante, enquanto o agronegócio é mostrado com uma colheitadeira em uma grande plantação de soja, detalhe, não aparece nenhum trabalhador na foto, o MST é colocado em uma foto menor, de uma de suas marchas acompanhada de perto pela polícia.

O Deserto Verde:

Durante os anos do Governo Lula, o MST passou a ocupar fazendas que plantam eucalipto, sob a alegação de que tais fazendas são ecologicamente incorretas. A Revista Veja logo tomou partido contrário às ações do Movimento, em favor do agronegócio da celulose.

A Veja é parcial, no trato da questão. Em momento algum debate acerca dos comprovados prejuízos ecológicos que uma plantação de eucalipto traz, o que inclusive convencionou-se a chamar de deserto verde.

Em reportagem assinada por João Gabriel de Lima, em junho de 2004, sob o título: “O MST ataca o Brasil que dá certo”, a Revista faz uma ampla de escancarada defesa em favor do agronegócio da celulose.

Estima-se que o setor de papel e celulose – que provavelmente faz parte daquele grupo que o ministro Rossetto chama de ‘latifúndio improdutivo que não gera emprego’ – proporcione mais de 100 000 postos de trabalho no país. (LIMA, João Gabriel de. O MST ataca o Brasil que dá certo. Veja, 02/06/2004: p.46)

A reportagem ainda é complementada com alguns Box que mostram os resultados e números favoráveis de empresas como a Klabin, Veracel e Votorantim Celulose e Papel. Outrossim, a reportagem é do tipo catastrófica, ou seja, as empresa ameaçam diminuir investimentos, o que seria péssimo para o Brasil, caso o Governo Lula não tome atitudes sérias para reprimir este bando de fora-da-lei, no entender da Revista, que se chama MST.

As Escolas do Movimento

Durante estes últimos anos, o MST tem investido maciçamente na formação de seus assentados, acampados e na educação de suas crianças. Mais uma vez a Revista Veja se posiciona contrariamente a esta atitude do Movimento.

Duas reportagens merecem destaque, a primeira de setembro de 2004, assinada por Mônica Weinberg com o título de: “Madraçais do MST”, em uma alusão à escola/internato dos muçulmanos. A matéria diz que a escola pesquisada ensina o ódio e a intolerância aos pequenos “sem-terrinhas”. Inclusive, insurge-se até mesmo contra um calendário escolar que tem datas comemorativas diferente do calendário tradicional, como a Revolução Chinesa e ao nascimento de Karl Marx. O dia da Independência é comemorado como o “Dia dos Excluídos”. A revista faz a clara opção por uma história Positivista.

Assim como os internatos muçulmanos, as escolas dos sem-terra ensinam o ódio e instigam a revolução. Os infiéis, no caso, somos todos nós. (...) no currículo, abordagens ausentes da cartilha do Ministério da Educação e que transmitem a ideologia sem-terra. (WEINBERG, Mônica. Madraçais do MST. Veja, 08/09/2004. p.47)

A Revista tem a intenção de colocar toda a sociedade contra esta educação que forma crianças críticas em relação ao sistema vigente. Prefere, como ocorre nas escolas normais, que as crianças não desenvolvam uma consciência de classe, até porque, não é do interesse dos grupos hegemônicos que tal aconteça.

A recém inaugurada Escola Nacional Florestan Fernandes também foi alvo de um artigo assinado por Victor Martino no mês de março de 2005, com o sugestivo título de: “Os PH.Ds da invasão”, a matéria deixa a entender que a “Universidade do MST” serve apenas para formar novos militantes invasores de terras.

Nas duas matérias aqui citadas, a revista sempre enfatiza que o Governo Lula é o principal financiador das escolas do MST, ou seja, que dinheiro do contribuinte é investido para a formação de invasores.

Ódio à Esquerda:

Em praticamente todas as reportagens publicadas por Veja sobre o tema, existe uma frase pejorativa sobre a ideologia de Esquerda, ao Marxismo e ao Socialismo.

É claro, o rancor que Veja tem e trata todos aqueles que possuem uma visão de mundo mais à Esquerda. Fidel Castro sempre foi apresentado como ditador, jamais como revolucionário, os avanços sociais cubanos nunca foram mostrados e o embargo comercial é tratado pela Revista como mera desculpa de Comunista. As novas figuras latinas, Chávez e Morales também são ridicularizados pela revista e objeto de matérias jocosas.

Na reportagem “Eles invadem. O governo apóia.” Podemos destacar um trecho interessante:

O MST nasceu em 1984 como um movimento social destinado a lutar pela reforma agrária – uma causa da segunda metade do século passado que já não faz sentido na realidade brasileira. A bandeira anacrônica, no entanto, nunca passou de pretexto para as verdadeiras motivações de seus lideres: a “revolução socialista”. Como socialismo e banditismo são duas faces da mesma moeda, o primeiro justificando o segundo, deu no que deu. (LINHARES, Juliana e CARNEIRO Marcelo. Eles Invadem. O Governo Apóia. Veja, 26/04/2006: p.42)

Em outra reportagem, de junho de 2006, o Marxismo é tratado pela revista como uma doença:

Os líderes dos sem-terra e seus protetores no governo são acometidos do ‘mal de marxzheimer’, doença social que produz miséria física e mental. Ele envenenou todo o século passado. A doença foi debelada na Europa quando minada pelo espírito libertário dos cidadãos, a União Soviética se derreteu. (DUAILIBI Julia e CABRAL Otávio. Insulto à Democracia. Veja, 14/06/2006: p.46.)

Mais uma vez a Revista comete uma barbárie contra uma corrente de pensamento, desinformando os seus leitores sobre os reais ideais do Marxismo. Este é apenas um exemplo para ilustrar o evidente apelo de Veja contra os ideais Socialistas, chegando-se ao cúmulo de afirmar que este anda junto com o banditismo. Uma verdadeira falácia de quem realmente não conhece a teoria.

MST e o Governo Lula

Questão fundamental também presente em todas as matérias publicadas por Veja neste período, é a sua visível inclinação em defesa do Governo FHC e satanização do Governo Lula juntamente com o MST. É recorrente em quase todas as matérias, o parecer de Francisco Graziano, ex-ministro de FHC e colocado como uma das maiores autoridades no assunto. Suas opiniões sempre são contrárias ao movimento, mas em momento algum deu-se a palavra a Bernardo Mançano Fernandes, apenas para ficar-se em um exemplo. Com dito alhures, a tática da revista teve de ser alterada quando da mudança de Governo, uma vez que o presidente atual não representava mais seus interesses e deu-se início a um “sangramento” lento de Lula que deveria culminar com sua estrondosa derrota nas urnas.

Desde o início, a Revista Veja salienta a proximidade do Presidente Lula e do PT com o Movimento dos Sem-Terra, o que segundo a revista estaria causando pânico nos agricultores, ou vez que o MST, por ter apoio estatal, estaria mais desinibido em suas ações. Para confirmar sua tese, Veja sempre ressalta que o Ministério do Desenvolvimento Agrário teria sido aparelhado com militantes e simpatizantes do Movimento.

Algumas matérias chegam a dar “conselhos” ao Presidente, no sentido de não negociar nem receber os líderes do MST, pois assim estaria endossando suas atitudes, bem como para deixar de tratar o Movimento como Social, quando na verdade este está fora-da-lei.

Se no ano de 2003 a revista ainda está tímida em sua condução sobre o caso, em 2004 a guinada é clara. Passa-se de uma atitude mais defensiva para uma ofensiva explícita. Diz que o Governo Lula pouco tem feito para coibir as invasões, o maior número dos últimos vinte anos, além de não cumprir as metas de Reforma Agrária, dando a entender que a Veja é favorável a tal.

Com a reportagem de março de 2005: “Nós pagamos, eles invadem”, a Revista Veja chega ao ápice da sua investida em relacionar o Governo Lula com os descasos do MST. A matéria salienta o volume de dinheiro que o Movimento recebeu do Governo, o que seria o triplo do período FHC e que os dirigentes do MST estariam simplesmente embolsando o dinheiro quando o muito o reinvestindo em invasões. O mesmo enfoque é dado em outra reportagem de Abril de 2006[6]:

Periodicamente, o governo faz chegar ao MST, via cooperativas ligadas a ele, recursos para a viabilização da reforma agrária. O dinheiro se destina a financiar, entre outras coisas, cursos para alfabetização, capacitação técnica dos assentados e melhorias na infra-estrutura dos assentamentos. O que os lavradores dizem é que o MST vem, simplesmente, embolsando esse dinheiro. (RIZEK, André. Nós pagamos, eles invadem. Veja, 09/03/2005: p.43.)

Outrossim, não fosse o dinheiro, o aparelhamento do Incra por simpatizantes da causa do MST é tratado pela Revista:

O fato de a presidência do instituto ser ocupada por alguém claramente posicionado a favor de um dos lados, aniquila qualquer possibilidade de que haja decisões imparciais. Ou alguém tem dúvidas sobre como ficariam as decisões sobre desapropriações de terra caso a presidência do Incra – e mais de um terço das superintendências do instituto – estivesse nas mãos de integrantes da União Democrática Ruralista (UDR), a organização dos proprietários rurais? (RIZEK, André. idem. p. 46.)

Mas será que no Governo FHC não existia um aparelhamento às avessas? Ou seja, será que os cargos principais do Incra não eram ocupados por pessoas visivelmente contrárias a Reforma Agrária? Isso a revista não comenta, mas deixa bem entendido ao final:

Ao agir à semelhança de bandidos, o MST se afasta cada vez mais do rótulo de movimento social para se aproximar de outro: o de uma organização criminosa. Com complacência do Estado – e o dinheiro do contribuinte. (RIZEK, André. ibidem. p.48.)

Nem mesmo a estatal Petrobrás escapou à ira de Veja. Anúncios feitas pela empresa em uma revista semanal do MST mereceu ferrenha crítica, onde se estampavam coisas como “A Petrobrás gasta dinheiro público e de acionistas em revista do MST”. Ora, a Petrobrás também gasta dinheiro público em um falido e devedor de impostos clube brasileiro de futebol, isso a Revista não reclama. E as publicidades da Petrobrás na Veja?

Tanto é evidente que a Revista Veja só se referia ao MST para atingir o Governo Lula/PT, que a última reportagem sobre a questão é de maio de 2005, pois daqui em diante a Revista encontrou outra forma de “sangrar” o Governo, o chamado “escândalo do Mensalão”, que ganhou maior notoriedade e tornou mais fácil a vida da Revista na busca por seus objetivos. Não se falou mais em MST no ano de 2005. Somente em 2006, durante a explícita escolha da revista por um dos candidatos à Presidência da República é que se voltou a falar em Sem-Terra e Governo Lula, ainda mais com o quebra-quebra protagonizado por integrantes do MLST no Congresso Nacional.

Considerações Finais

 

“As idéias dominantes de uma época, sempre foram as idéias da classe dominante”

Karl Marx

(MARX e ENGELS, 2001, p.65.)

 

A atitude demonstrada pela Revista Veja no tocante às matérias referentes ao MST são de cunho marcadamente ideológicos. A revista vem atuando como um Aparelho Privado de Hegemonia, no sentido gramsciano do termo, à serviço da classe burguesa dominante, tentando criar o consenso necessário para o seu projeto de dominação.

Por fim, não é o objetivo deste Artigo esgotar o debate acerca do tema, entretanto, pudemos esboçar algumas considerações importantes. Fica claro nas páginas acima, que a Revista Veja não é, e nunca foi, uma publicação independente e isenta, principalmente quando o assunto é MST, e que com a chegada do PT ao Governo, a tentativa da satanizá-lo juntamente com o Movimento fica explícita.

 

Referências

Fontes Primárias

CARTA ao Leitor. O boné é a carapuça. Veja, São Paulo, ano 39, nº 23, p.9, 14/06/2006

CARTA ao Leitor. O lado do Brasil. Veja, São Paulo, ano 39, nº 43, p. 9, 01/11/2006.

CARTA ao leitor. Sete de setembro vermelho. Veja, São Paulo, ano 37, nº 36, p. 9, 08/09/2004.

CARTA ao leitor. Veja avisou. Veja, São Paulo, ano 36, nº 26, p. 9, 02/07/2003.

CONTEXTO, O que o brasileiro pensa da reforma agrária. Veja, São Paulo, ano 36, nº 38, p. 41, 24/09/2003.

DUAILIBI Julia e CABRAL Otávio. Insulto à Democracia. Veja, São Paulo, ano 39, nº 23, p.44-53, 14/06/2006.

ESCOSTEGUY, Diego. Ë pau, é pedra... Veja, São Paulo, ano 39, nº 29, p.68, 26/07/2006.

GASPAR, Malu. A Guerra aqui é de outro tipo. Veja, São Paulo, ano 36, n.12, p. 82-84, 26/03/2003.

GASPAR, Malu. Rossetto todo feliz nos palácios e os sem-terra botando pra quebrar. Veja, São Paulo, ano 36, nº 26, p.50-52, 02/07/2003.

LIMA, João Gabriel de. O MST ataca o Brasil que dá certo. Veja, São Paulo, ano 37, nº 22, p.44-46, 02/06/2004.

LINHARES, Juliana e CARNEIRO Marcelo. Eles invadem. O governo apóia. Veja, São Paulo, ano 39, nº 16, p.40-43, 26/04/2006.

MARTINO, Victor. Os PH.Ds da invasão. Veja, São Paulo, ano 38, nº 10, p. 47, 09/03/2005.

NOVOS mártires. Veja, São Paulo, ano 37, nº 48, p.44, 01/12/2004.

OLTRAMARI, Alexandre. Como na guerra. Veja, São Paulo, ano 37, nº 16, p. 48-49, 21/04/2004.

PERES, Leandra. O abril sem leis do MST. Veja, São Paulo, ano 37, nº 15, p. 52-53, 14/04/2004.

RETROSPECTIVA 2003, o Brasil que não funciona. Veja, São Paulo, ano 36, nº 51, p.64, 24/12/2003.

RIZEK, André. Nós pagamos, eles invadem. Veja, São Paulo, ano 38, nº 10, p. 42-48, 09/03/2005.

RIZEK, André. Sem-terra com casa e carro. Veja, São Paulo, ano 37, nº 49, p. 54-56, 08/12/2004.

ROSSETO, Miguel. Esse sistema é feudal. Veja, São Paulo, ano 36, n 12, p. 9-13, 26/03/2003.

RYDLEWSKI Carlos; PORTELA Fábio. Ligações perigosas. Veja, São Paulo, ano 38, nº 19, p. 106-107, 11/05/2005.

RYDLEWSKI, Carlos. Sem terra, mas com dinheiro. Veja, São Paulo, ano 39, nº2, p.59, 18/01/2006.

SALGADO, Eduardo; PERES Leandra. O Beato Rainha. Veja, São Paulo, ano 36, n.24, p. 72-80, 18/06/2003.

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VITA, Marcos. A Lua-de-mel acabou. Veja, São Paulo, ano 36, n.10, p.56-57, 12/03/2003.

WEINBERG, Mônica. Madraçais do MST. Veja, São Paulo, ano 37, nº 36, p. 46-49, 08/09/2004.

WEINBERG, Mônica. Radicalzinho x radicalzão. Veja, São Paulo, ano 37, nº 31, p. 42-44. 04/08/2004.

Fontes Secundárias

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CHOINACKI, Luci (org). Desmascarando o Latifúndio. Brasília: Câmara dos Deputados, 2004.

CHOINACKI, Luci. As vulnerabilidades externas da economia brasileira, o agronegócio e o latifúndio improdutivo. Brasília: Câmara dos Deputados, 2004.

MARX, Karl e ENGEL Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. São Paulo: Ed. Martin Claret, 2001.

SCHLESENER, Anita Helena. Hegemonia e Cultura: Gramsci. Curitiba: Ed. Da UFPR, 1992.

SILVA, Carla Luciana. Veja e o PT: do “risco Lula” ao “Lula light”. In: Revista Lutas Sociais, nº 15/16. São Paulo: NEILS, 2006.

SILVEIRA, Fábio. Imprensa e política: o caso Belinati. Londrina: Edições Humanidades, 2004.

SIMIONATO, Ivete. Gramsci: sua teoria, incidência no Brasil, influência no Serviço Social. Florianópolis: Ed da UFSC; São Paulo: Cortez Editora, 2004.

SOUZA, Eduardo Ferreira da Silva. Do Silêncio à Satanização: o discurso de Veja e o MST. São Paulo: Annablume, 2004.

STEDILE, João Pedro e FERNANDES, Bernardo Mançano. Brava Gente. A trajetória do MST e a luta pela terra no Brasil. São Paulo: Ed. Fundação Perseu Abramo, 1999. p. 113

STROZAKE, Juvelino José (org.). A Questão Agrária e a Justiça. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000.


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[1] Padrões sintetizados do livro de Fábio Silveira “Imprensa e política: o caso Belinati” e também do livro de Perseu Abramo “Padrões de Manipulação na Grande Imprensa”.

[2] Sobre esta questão do MST entender o caráter político/ideológico de sua luta, é interessante a leitura do artigo “O MST entre desobediência e democracia” de José Carlos Garcia, publicado no livro “A Questão Agrária e a Justiça”, organizado por Juvelino José Strozake, onde o autor diz textualmente: “Um dos grandes trunfos do MST reside no fato de que reconhece a natureza política do problema que dispôs a enfrentar, jamais o fazendo isoladamente, sem conexão com os trabalhadores do campo ou com outros setores da sociedade civil, mas parece ser precisamente esta a sua característica menos aceitável pelo discurso dominante. Há, entretanto, inúmeras elaborações contemporâneas acerca da democracia e do direito constitucional que perm