Itaquerão: especulação imobiliária e “higienização” às custas do Timão

24/10/2011 12:52

Inserida nos projetos para a Copa do Mundo de 2014, a construção do Novo Estádio do Corinthians em Itaquera pode se tornar pretexto para remoção de milhares de famílias pobres pelo poder público e garantir o lucro de poucos grupos privados e a especulação imobiliária na região.

Por Débora Prado

Revista Caros Amigos

 

O anúncio de que o Corinthians finalmente teria seu próprio estádio alegrou a nação corintiana, sobretudo os torcedores de Itaquera, bairro da zona leste de São Paulo onde será construído o ‘Fielzão’. O orgulho do torcedor ficou ainda maior com a notícia de que o novo estádio pode ser inaugurado em grande estilo como candidato a palco da abertura da Copa do Mundo de 2014 no Brasil. Mas, o que poderia ser um belo momento na história do time, detentor de uma das maiores torcidas do País, se tornou mais um pretexto para aplicação de uma política urbana segregadora, que prioriza a realização de negócios milionários para beneficiar poucos grupos privados em detrimento de melhorias efetivas na vida da população. E se tornou, ainda, o pesadelo de milhares de famílias pobres ameaçadas de despejo desde o anúncio da obra em Itaquera.

Com a paixão pelo esporte usurpada pela lucratividade de alguns, boa parte da torcida corintiana corre o risco ainda de não ter acesso ao estádio, uma vez que os ingressos estão cada vez mais caros no futebol brasileiro e não há perspectiva de redução dos preços no novo campo, segundo o presidente do Corinthians, Andrés Sanchez.

A quantidade de recursos públicos aplicados no estádio também gerou polêmica. O terreno onde será construído pertence à Prefeitura de São Paulo, que deu ao Corinthians uma concessão de uso por 99 anos. Já o custo para a construção do estádio é estimado em R$ 820 milhões. Somente o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) deve financiar R$ 400 milhões, a partir da decisão do Governo Federal de ceder empréstimos até este valor para as cidades sedes de jogos da Copa do Mundo.

Além do crédito, a obra receberá R$ 499 milhões de recursos públicos – sendo R$ 420 milhões em incentivos financeiros da Prefeitura de São Paulo, e R$ 79 milhões em isenções fiscais previstas para as cidades envolvidas na Copa. Com o anúncio de que o Novo Estádio do Corinthians sediará a abertura do Mundial de Clubes, o governo estadual deve aportar ainda outros R$ 46 milhões para a colocação de arquibancadas móveis no Fielzão, uma vez que a Fifa exige capacidade de 65 mil torcedores para a partida de abertura e o projeto inicial previa lugares para 48 mil pessoas.

O presidente do Corinthians rebate as críticas. Afirma que em 10 anos, com a receita do próprio estádio, o clube pagará a dívida com o BNDES, embora as condições detalhadas do pagamento ainda não estejam definidas, segundo ele. “A Copa do Mundo é um programa da cidade, a Prefeitura não deu cheque pro Corinthians, é um incentivo fiscal que vai trazer um retorno de R$ 1 bilhão em 40 dias de Copa. Qualquer multinacional que venha aqui também recebe incentivos fiscais de tudo quanto é maneira”, adenda Andrés Sanchez em relação aos R$ 420 milhões de incentivos municipais.

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Entrevista Kazuo Nakano: “valorização imobiliária foi para o bolso privado”

Para o arquiteto e urbanista do Instituo Pólis, a atuação do poder público em São Paulo só reforça a segregação socioespacial, uma vez que o governo, ao invés de mediar o interesse social e público, atua, muitas vezes, em favor do interesse privado.

Caros Amigos – A construção do estádio em Itaquera e a vinda da Copa do Mundo irá expulsar os pobres da região?

Kazuo Nakano - Existe preocupações nesse sentido em todas as cidades que vão sediar os jogos da Copa. No caso aqui de São Paulo, a gente não tem total clareza das áreas que vão ser diretamente impactadas pelas obras, não só do estádio, mas da infraestrutura viária e de transporte para atender o estádio, porque esses projetos não foram divulgados em detalhes. O pessoal de Itaquera que está acompanhando a questão fala em 16 favelas que vão ser diretamente impactadas, pelo alargamento de avenidas, construção de vias, estacionamentos etc – previstos por uma carteira de investimentos anunciada pela Prefeitura e também pelo governo estadual.

Caros Amigos - E como é o diálogo do poder público com a população sobre os projetos? Há debate?

Não, tem sido um projeto de gabinete. A população, em geral, e os moradores das favelas que vão ser diretamente afetados não tiveram acesso a nenhuma discussão sobre isso, tanto junto à Prefeitura, quanto junto ao governo do Estado. Por outro lado, é bem provável que estejam discutindo com o setor empresarial, isso tem sido uma prática aqui em São Paulo: a priorização da interlocução com o setor empresarial em detrimento da população, de quem sofre os impactos negativos de uma intervenção.