Ônibus Chapinhado

18/05/2011 23:55

 

Janelas fechadas. Não está o deserto do Saara, mas definitivamente não está um dia frio. Longe disso. Ainda mais se você estiver dentro de um gigantesco ônibus-sanfona apinhado de gente às 6 da tarde - linha que leva ao Terminal Capelinha, no Capão Redondo, periferia da Zona Sul paulistana.

E as janelas estão fechadas. O bafo quente, milhões de cheiros que não são seus, o motorzão no fundo dissipando um calor que, se não mata, incomoda. O congestionamento na ponte João Dias faz com que a velocidade do ônibus seja agonizantemente baixa. Mas por que as malditas janelas estão fechadas?

Basta olhar quem lá está sentado. Ou melhor, o cabelo de quem lá está sentado. Ou melhor ainda, a preocupação de quem lá está sentado com seu cabelo.

A ditadura do cabelo liso já chegou e dominou a periferia paulistana. Os cabelos crespos, coitados, são mosca branca - houve um verdadeiro genocídio do brasileiríssimo cabelo pixaim. Chapinhas, escovas progressivas, definitivas, asiáticas, japonesas imperam em 90% das madeixas na linha 695T - Metrô Vila Mariana/Terminal Capelinha.

O domínio malévolo da imagem do indivíduo sobre o bem-estar do mesmo é flagrante. As chapinhas escravizam suas donas e as sujeitam a duas horas de sauna torturante - tudo pela própria sobrevivência (da chapinha).

Traduzindo: o pessoal prefere passar calor num buzão lotado durante duas horas (120 minutos!) do que abrir uma frestinha no vidro e pegar um saudável e refrescante ventinho que pode acabar com o alisamento das madeixas.

É mole?

 

Publicado na seção Crônicas do Recanto das Letras.com.br