Tipos de Discurso e Tipos de Gênero

19/05/2011 00:00

Ivan

    Dia desses uma aluna do 2º ano, ainda com dúvidas, me perguntou o que era uma crônica. Como acredito que esta seja uma dúvida comum a muitas pessoas, independente da série, vou tentar responder explicando de outra maneira que talvez seja de mais fácil compreensão.

    Vejamos, existem três tipos de discursos conhecidos que são base para todos os tipos de gênero: descrição, narração e dissertação. Esses tipos são muito conhecidos e estudados frequentemente nas escolas. Tipos de gênero, por outro lado, são formas que usamos para nos expressarmos quer oralmente ou por meio da escrita.

    A crônica, como afirmava, é um gênero híbrido (mesclado), isto é, suas diferenças normativas (prescritivas e oficiais segundo a NGB) são bastantes superficiais, duvidosas e polêmicas entre os especialistas quando postas em confronto com outros gêneros que lhe são semelhantes, caso da carta, do diário, do e-mail, do relato, das memórias, do memorial. Mas todos esses gêneros, inclusive a crônica, podem apresentar características descritivas, narrativas e dissertativas, por vezes, as três espécies discursivas juntas. Disso decorre, por exemplo, a interpretação muitas vezes conflituosa entre o que seria uma crônica ou memória ou carta: dependem mais do ponto de vista do interlocutor / leitor do que da visão do locutor / escritor.

    A descrição já existia antes dos humanos desenvolverem a fala, cito como ilustração as pinturas primitivas dentro de cavernas que são consideradas as primeiras tentativas descritivas conhecidas. Na escola, em geral se trabalha mais com as crônicas narrativas, até porque é pela narração que surge a fala e permite nossa tentativa de comunicação, autoriza desenvolvermos histórias, memorizá-las e contá-las a terceiros.

    E assim sendo, toda narrativa é ficcional, porque a palavra pensada não é a palavra pronunciada, e tampouco será entendida em seu significado original ou intermediário por interlocutores. Eis aqui o que chamamos de metáfora, ela só diz seu verdadeiro significado a si própria, pois quando um terceiro a escuta, interpreta já uma nova metáfora. Cabe lembrar de que a fala vem antes da escrita, esta nada mais é do que uma representação daquela, um tecnologia artificial imposta por normas gramaticais. O que lemos não será o que está escrito, já que nosso entendimento é outro porque já estamos em contexto diferente daquele em que o escritor escreveu. Desenvolvida a escrita, podemos desenvolver agora nossa verdade com mais clareza, defender ou recusar opiniões, que são agora, narrações dissertativas. 

    Talvez a única particularidade da crônica frente aos outros gêneros anteriormente descritos seja etimológica, ou seja, se buscarmos a origem da palavra, encontramos o Deus Cronos, no grego antigo, Deus do Tempo e das Horas. Daí que se atribui para a crônica a ideia de relatos do cotidiano, do passar das horas. A palavra "crônica" em tempos não tão antigos assim era também usada como sinônimo de História; assim o cronista narrava descritivamente o que via, a serviço de um rei ou imperador. Um exemplo clássico disso em Língua Portuguesa é a Carta de Pero Vaz Caminha ao rei Dom Manuel, o nascimento de nossa literatura barroca, sobre o cotidiano dos colonizadores portugueses, sobre desvergonha dos índios de andarem nus e outros assuntos triviais hoje para nós, mas que são a base de nossos relatos históricos.

    Derivada de "crônica", surge a palavra "cronologia", que ao pé-da-letra é o "estudo da passagem de tempo",  e por extensão de significado, a própria passagem de tempo (base discursiva da narração) de fatos gênericos do cotidiano, do dia a dia. Tal passagem sugere uma certa ordem: começo, meio e fim, e por isso é a crônica tão usada nas escolas, para ensinar o aluno como estruturar argumentos quer históricos (descritivos e narrativos) ou de atualidades (descritivos e dissertativos). De todo modo, tais diferenças cronológicas também são atribuídas a seus gêneros semelhantes, por isso a confusão. 

    Enfim, aprendido a ter feito uma crônica, é muito mais fácil para o aluno vir a aprender a escrever o gênero dissertativo do vestibular. Notem que não estou falando do tipo de discurso dissertação, que existem centenas deles por aí, como são as dissertativas jurídica, econômica, política, escolar, jornalística e acadêmica.