Tipos de Discursos e Tipos de Gêneros

20/04/2011 16:27

Ivan

 

 

    Dia desses uma aluna do 2º ano, ainda com dúvidas, me perguntou o que era uma crônica. Como acredito que esta seja uma dúvida comum a muitas pessoas, independente da série ou se faz escola, vou tentar responder explicando de outra maneira que talvez seja de mais fácil compreensão.

    Vejamos, existem três tipos de discursos conhecidos que são base para todos os tipos de gênero: descrição, narração e dissertação. Esses tipos são muito estudados nas escolas. Tipos de gênero, por outro lado, são formas que usamos para nos expressarmos quer oralmente ou por meio da escrita. Ou seja, existem inumeráveis formas que usamos para nos expressarmos. O e-mail, por exemplo, é um dos gêneros mais novos, surgidos com o advento da Internet; trata-se de uma "carta a jato", com características comumente mais orais que escritas apesar de sua base ser escrita.

    A crônica, como afirmava, é um gênero híbrido (mesclado), isto é, suas diferenças normativas - prescritivas e oficiais segundo a NGB (Norma Gramatical Brasileira) - são bastantes superficiais, duvidosas e polêmicas entre os especialistas (é dizer, os gramáticos, filólogos, linguistas, críticos de literatura) quando postas em confronto com outros gêneros que lhe são semelhantes, caso da carta, do diário, do e-mail, do relato, das memórias, do memorial. Mas todos esses gêneros, inclusive a crônica, podem apresentar características descritivas, narrativas e dissertativas; por vezes, as três espécies discursivas juntas.

    Lembro de uma matéria que fiz na época de faculdade, chamada "Memórias, Crônicas e Cartas", assunto pelo qual sempre me interessei. Mas no fim do curso, seis meses depois, descobri que não havia consenso neste tema, ainda que muitas pessoas que não são do meio acreditem que são gêneros bastante diferentes entre si. Na verdade acredito por causa dessa mescla discursiva é que decorre a interpretação muitas vezes conflituosa entre o que seria uma crônica ou memória ou carta: tais gêneros dependem mais do ponto de vista do interlocutor / leitor do que da visão do locutor / escritor.

    Voltando aos tipos discursivos, a descrição já existia antes dos humanos desenvolverem a fala. Cito como ilustração as pinturas primitivas dentro de cavernas que são consideradas as primeiras tentativas descritivas conhecidas. Já na escola, em geral, quando o assunto é de crônicas, se trabalha mais com as narrativas, até porque é pela narração que surge a fala e permite nossa  "tentativa" de comunicação, autorizando desenvolvermos histórias, memorizá-las e contá-las a terceiros.

    Sendo assim, toda narrativa é ficcional, porque a palavra pensada não é a palavra pronunciada ou escrita, e tampouco será entendida em seu significado original ou intermediário por interlocutores / leitores, conforme se pode interpretar do Tratado do Não-Ser, do sofista Górgias, no século V a.C. Eis aqui o que chamamos de metáfora, ela só diz seu verdadeiro significado a si própria, pois quando um terceiro a escuta / lê e a tenta interpretar, já é uma nova metáfora. Cabe lembrar de que a fala vem antes da escrita, esta nada mais é do que uma representação (ou seja, uma nova metáfora) daquela, uma tecnologia artificial imposta por normas gramaticais, as metáforas cristalizadas. O que ouvimos / lemos não será o que foi falado / escrito, já que nosso entendimento é outro (apenas uma parte do todo, a metonímia) porque já estamos em contexto diferente daquele do falante / escritor.  Isto pode parecer complexo num primeiro instante, mas é através desse processo que a Ciência e muitos outros discursos como as piadas se desenvolvem e é graças a isso que as pessoas pensam diferente umas das outras, do contrário tudo seria muito monótono. Uma vez desenvolvida a escrita, enfim,  podemos elaborar agora nossa verdade com mais clareza, defender ou recusar opiniões, que neste ponto são narrações dissertativas. 

    Talvez a única particularidade da crônica frente aos outros gêneros anteriormente descritos seja etimológica, ou seja, se buscarmos a origem da palavra, encontramos o Deus Cronos, no grego antigo, Deus do Tempo e das Horas. Daí que se atribui para a crônica a ideia de relatos do cotidiano, do passar das horas. A palavra "crônica" em tempos não tão antigos assim era também usada como sinônimo de História; o cronista narrava descritivamente o que via, a serviço de um rei ou imperador. Um exemplo clássico em Língua Portuguesa é a Carta de Pero Vaz Caminha ao rei Dom Manuel, o nascimento de nossa literatura barroca, sobre o cotidiano dos colonizadores portugueses, sobre desvergonha dos índios de andarem nus e outros assuntos triviais hoje para nós, mas que são a base da história brasileira.

    Derivada de "crônica", surge a palavra "cronologia", que ao pé-da-letra é o "estudo da passagem de tempo", e por extensão de significado, "a própria passagem de tempo" (base discursiva da narração) de fatos gênericos do cotidiano, do dia a dia. Tal passagem sugere (mas não impõe) uma certa ordem: começo, meio e fim, e por isso é a crônica tão usada nas escolas, para ensinar o aluno como estruturar argumentos quer históricos (descritivos e narrativos) ou de atualidades (descritivos e dissertativos). De todo modo, tais diferenças cronológicas também são atribuídas a seus gêneros semelhantes, por isso a confusão. 

    Finalmente, aprendido a ter feito uma crônica, é muito mais fácil para o aluno vir a aprender a escrever o gênero dissertativo do vestibular. Notem que não estou falando do tipo de discurso dissertação, que existem centenas deles por aí, como são as dissertativas jurídica, econômica, política, escolar, jornalística e acadêmica.