Traduzir um livro e procurar editora para publicar

13/04/2011 23:25

Traduzir um livro e procurar editora para publicar

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By Fabio M. Said | Jun 9, 2008 |

 

 

Uma idéia romântica muito comum compartilhada por tradutores iniciantes, estudantes de tradução e pessoas que desconhecem o mercado de mercado de tradução (principalmente o da tradução literária) é a seguinte: se o sujeito gostou de determinado livro em inglês, por exemplo, e desejar traduzir esse livro, basta ir em frente e depois “procurar uma editora” para publicar.

Essa idéia é romântica porque revela desconhecimento sobre a realidade do mercado de tradução para editoras.

Para início de conversa, não é o tradutor quem escolhe as traduções, mas a editora, movida por interesses comerciais – é claro, a editora quer ganhar dinheiro para pagar seu investimento e só vai publicar coisas que lhe tragam retorno financeiro. Depois de escolhida a obra a traduzir, ainda é preciso pagar os direitos de publicação, porque o autor do original também tem que ganhar com a publicação de suas obras em outro idioma. E só depois que a publicação for inserida no planejamento operacional e financeiro da editora é que se parte para a busca do tradutor que deverá traduzir a obra.

Esse tradutor, em geral, é alguém que já trabalha para essa mesma editora. Ou alguém que foi indicado por alguém de dentro da editora ou por suas pessoas de confiança. Parece “panelinha”, e é mesmo. Pensando bem, o que as pessoas chamam de “panelinha” é na verdade algo que todos praticam todos os dias, isto é: todos nós preferimos trabalhar com quem conhecemos, com quem temos uma relação de confiança, e não com pessoas desconhecidas. E a “panelinha” é exatamente isso.

Assim, há uma máquina comercial e operacional por trás da tradução de livros. O tradutor é apenas um dos profissionais envolvidos nessa máquina, e com certeza não é ele quem toma as decisões sobre que livros serão traduzidos e publicados.

Convenhamos: tradutor não é autor, nem editor! Promover a tradução para uma obra já existente é trabalho do autor ou da editora da obra original. É um trabalho que exige conhecimentos sobre direitos autorais (sim, direito autoral existe e deve ser respeitado, e isso inclui os direitos autorais do autor da obra original, que deve, por lei, deve ter o controle contratual sobre a reprodução de seu trabalho em outras línguas). É um trabalho que envolve prospecção de mercado (você acha que alguém vai publicar uma tradução sem visar ao lucro e sem saber quanto vai ganhar com essa história?) e planejamento financeiro (papel e produção de livros custam caro!).

Obviamente, nada impede o tradutor de traduzir por conta própria qualquer obra que seja. Ele pode fazer isso como exercício pessoal, como forma de passar o tempo, por deleite ou diletantismo intelectual etc. Mas se quiser publicar sua tradução, o caminho é árduo e costuma levar a decepções. Em qualquer caso, se decidir traduzir um livro por conta própria, sem contrato com editora, o tradutor precisará ter tempo livre para se dedicar a uma atividade cuja remuneração é extremamente incerta e definitivamente não imediata. Por isso, quem costuma fazer esse tipo de coisa são os indivíduos mencionados no início deste artigo.

Ainda sobre esse assunto, eu gostaria de contar minha experiência pessoal com esse tipo de “tradução espontânea e não remunerada”, fato ocorrido muitos anos atrás, antes de eu passar a traduzir profissionalmente para editoras.

Atualização em 3/2/2011:


Não deixe de ver um artigo publicado hoje aqui no Fidus interpres que contém vídeos feitos por uma editora brasileira explicando como funcionam vários processos do mercado editorial (inclusive a tradução de livros) – clique aqui para acessar o artigo e os vídeos!

Muitos anos atrás, traduzi um livro espontaneamente, por puro prazer e sem esperar qualquer retorno, nem mesmo financeiro.

Era um ensaio sobre cinema antigo, escrito pela famosa crítica de cinema Pauline Kael (1919-2001). Encontrei o livro em inglês na biblioteca do Goethe-Institut em Salvador. Gostei tanto que me senti na obrigação de traduzi-lo. Não me lembro quanto tempo levei para concluir a tradução, mas lembro que a pesquisa foi bem exaustiva, na biblioteca (na época não havia Google, muito menos as facilidades da internet) da Associação Brasil-Estados Unidos e usando os meus dicionários e as técnicas de tradução que eu tinha aprendido durante a formação de tradutor.

Terminei, mostrei para algumas pessoas e só depois me veio a idéia de tentar publicar a minha tradução. Como eu não tinha a menor idéia de como isso é feito, me ocorreu entrar em contato com a própria autora. Imagine só a petulância de um jovem tradutor do Brasil escrevendo para uma autora famosa e respeitadíssima dos Estados Unidos (e ainda por cima, com fama de mal-humorada e briguenta). Escrevi para a Revista The New Yorker, casa profissional de Ms. Kael durante décadas. A New Yorker milagrosamente encaminhou a carta à própria autora, que, também milagrosamente, me respondeu meses depois, em uma carta datilografada e assinada com uma letra cambaleante (ela já estava doente naquela época e morreria alguns anos depois). A carta veio acompanhada de um presente: a então mais recente edição de suas principais críticas de cinema – livro autografado que é dos tesouros de minha biblioteca.

Ms. Kael foi gentil e disse que não tinha conhecimento de uma tradução já publicada do livro que eu havia traduzido, mas que estava acionando seu advogado para enviar o meu nome à editora que detinha os direitos de suas obras no Brasil. Muito surpreso, agradeci o presente e a gentileza e aguardei o contato.

Porém, como havia outras coisas acontecendo na minha vida, deixei de acompanhar esse caso de perto e de me esforçar para que ele tivesse resultado concreto. Fui passar uma temporada de estudos na Alemanha e quando voltei meu rumo de vida já era bem diferente.

Algum tempo depois, lendo a revista Veja, encontro a notícia da publicação do livro em português. Confesso que deu uma ponta de arrependimento por não ter investido mais na publicação. Afinal, a publicação efetiva da tradução denotava que havia interesse pela obra. Mas, pensando melhor, talvez a editora de fato tenha recebido os meus dados de contato e tenha simplesmente decidido não abrir mão da regra de só contratar tradutores da casa ou mais experientes (eu tinha somente 20 anos na época).

De qualquer forma, a experiência foi boa. Primeiro, porque a pesquisa de vocabulário para fazer a tradução foi muito exaustiva e demonstrou na prática que para traduzir bem (isto é, escrever uma tradução fluente, com naturalidade e que não soe truncada ou contaminada pela língua estrangeira) é preciso nunca estar satisfeito com a primeira opção de tradução que vem em mente ou no dicionário. O verbo “to say”, por exemplo, em vez de ser trauzido por “dizer” poderia ser “afirmar”, “retrucar”, “esclarecer”, “declarar”, “explicar” e tantas outras opções lingüisticamente mais ricas – desde, é claro, que o original permita essas variações.

Mais que isso, a pesquisa envolvia títulos de filmes hollywoodianos antigos, da década de 1930 e 1940, época pela qual eu sempre tive grande fascínio. E envolvia também aspectos da vida americana desse período: a depressão, o Código Hays, a Segunda Guerra, a “caça às bruxas” etc. Foi, enfim, uma grande aula de cultura, história e cinema. Até hoje tenho na memória frases e expressões que a autora usou no original, além dos nomes de personagens reais de Hollywood mencionados no livro.

Isso sem falar na revisão da tradução, que foi uma etapa bem dolorosa, com a contínua tentativa de melhorar o texto e o tornar mais natural e idiomático. Enfim, foram muitos os aspectos positivos dessa empreitada.

Anos depois começaram a surgir os primeiros trabalhos para editoras, através dos caminhos normais: contato recebido de um editor, teste de tradução e negociação sobre preço e data de entrega. Aos poucos eu fui percebendo que a minha experiência havia sido uma “loucura romântica“, que só alguém com bastante tempo de sobra e sem grandes urgências financeiras poderia se dar ao luxo de cometer. Além do mais, me tornei consciente também do risco que a experiência representou, pois no caso em questão eu havia traduzido um livro para o português sem procurar saber quem detinha os direitos de publicação dele no Brasil; não foi à toa que a autora fez menção a seu advogado e à editora brasileira que detém os direitos (seria uma espécie de ameaça velada?). Sem dúvida, porém, posso dizer que a experiência, por todas as lições inestimáveis que dela aprendi, fez parte do meu processo de profissionalização como tradutor.

*Fabio M. Said é brasileiro residente na Alemanha, tradutor profissional de inglês-português e alemão-português, traduzindo sobretudo textos de direito e finanças. Fez várias traduções de livros e é autor de Fidus interpres: a prática da tradução profissional. Filiado a associações de tradutores no Brasil e nos EUA. Em 2010, foi palestrante convidado no congresso anual da American Translators Association, em Denver/EUA. Para contatos, clique aqui.